Alberto Moravia com Pier Paolo Pasolini
A esquisitice de pôr as mãos em tudo o que seja papel levou-me hoje a folhear A Voz de Domingo, o «semanário diocesano» de Leiria. As páginas deste pasquim pingam beatice, mau gosto e obscurantismo em estado bruto. Nada de novo para quem conheça um pouco da imprensa católica ultramontana que teima em sobreviver. Fixei principalmente dois artigos. O primeiro foi a «Carta do Canadá» assinada por uma Dona Fernanda Leitão e que não passa de uma inflamada declaração de ódio – acompanhada de uma maldição condescendente e nada católica: «é deixá-lo andar» – dirigida a José Saramago e às suas «vociferações contra Deus». No segundo artigo reparei, pela cómica ignorância que testemunha, numa lista de «livros novos» recomendados. Aí se anexa, a títulos desanimadores como Gota d’Água, Dez Passos no Caminho dos Valores, Teatro nos Colégios dos Jesuítas e os dois volumes de Sacerdos, nada mais nada menos que Os Indiferentes, de Alberto Moravia. Editado em 1929 e considerado por vezes um romance existencialista avant la lettre que terá antecipado O Estrangeiro, de Camus, o livro de estreia de Moravia – que até chegou a ser compagnon de route dos comunistas – centra-se em alguns dos temas que cruzarão boa parte da sua obra posterior. Como o tédio da existência, a impossibilidade de uma verdadeira comunicação entre as pessoas, a alienação social ou a obsessão do sexo. Nada mau para estimular a cabecinha dos fiéis e das fiéis leirienses.