Latinamérica

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Desconfio sempre do cunho supostamente científico dos inquéritos e das sondagens que procuram intuir tendências ou fotografar expectativas lá onde, na maioria das vezes, são circunstâncias volúveis que motivam as escolhas de quem lhes responde. Muitas dessas observações pressupõem uma objectividade que repele o subjectivo, quando afinal é quase sempre este, ou é mesmo sempre este, por agir mais em profundidade na construção das convicções, que impele à acção e sobrevive para além do transitório. No entanto, a suspeição não repele o reconhecimento do óbvio: os resultados desses questionários funcionam quase sempre, sobretudo se o universo inquirido for suficientemente amplo e diversificado, como indicadores que não podem ser ignorados.

É precisamente isso que se passa como o recém-divulgado «Informe Latinobarómetro 2009», cujo universo de respondentes englobou um grande número de cidadãos de todos os países latino-americanos (à excepção de Cuba, onde até um trabalho desta natureza é considerado pelo regime como potencialmente subversivo e perigoso). Conclusões detalhadas foram publicadas no El País, sendo uma das mais interessantes aquela que permite comparar o prestígio de um conjunto de líderes com o apoio declarado à democracia como sistema «preferível». Numa escala de 1 a 10, as figuras mais votadas foram Barack Obama (7,0), Lula (6,4), Juan Carlos I (5,9), Zapatero (5,8) e a chilena Michelle Bachelet (5,8). As piores foram Daniel Ortega (4,3), Fidel Castro (4) e Hugo Chávez (3,9). Não deixa de ser curioso o facto de, entre os quatro mais votados, três deles serem o presidente dos Estados Unidos e os actuais dirigentes da antiga potência colonizadora. Já os apoios à democracia foram de 85% dos inquiridos na Venezuela, 81% no Uruguai e 74% na Costa Rica, ficando no extremo oposto o México com 42% e a Guatemala com 41%. Assim, enquanto Chávez é o menos querido dos dirigentes, os venezuelanos mostram ser o povo que mais se identifica com os valores essenciais da democracia. O que quererá isto dizer? Existirá por aqui uma conversa de surdos?

Factor igualmente curioso tem a ver com a relação da população das Américas Central e do Sul com as antigas potências colonizadoras. Enquanto 57 por cento dos cidadãos brasileiros inquiridos declarou não saber sequer por quem foi colonizado o território no qual habitam, e para além disso uma grande parte se mostra indiferente a um estreitamento efectivo das relações com Portugal, já uma maioria de latino-americanos de língua castelhana considera como «muito positiva» a crescente influência política e económica de Espanha na região. Os inquéritos não explicam nada, é verdade, e podem até ser muito enganadores, mas talvez se revele interessante reflectir um pedaço sobre resultados desta natureza. Só para considerar algumas hipóteses e especular sobre elas.

    Atualidade, Olhares.