Franco ponderou e preparou uma participação espanhola na Segunda Guerra Mundial ao lado da Alemanha e da Itália. O historiador Manuel Ros Agudo interessou-se há alguns anos pelo tema, tendo chegado a algumas conclusões originais, com impacto no conhecimento renovado da nossa história recente. Desde logo porque as provas que reuniu deitam completamente por terra o mito franquista de uma neutralidade não-beligerante que supostamente teria salvo o país de se ver envolvido numa nova guerra.
A verdade, como documenta A Grande Tentação de maneira exaustiva e com recurso a informação inédita, é no entanto completamente diversa, pois Franco procurou entrar no grupo de potências agressoras do Eixo determinando, com esse objectivo em mente, a minuciosa planificação de quatro operações militares que levariam Madrid a ter um papel activo no conflito. Estas visariam um ataque, praticamente simultâneo e de surpresa, a lançar sobre Gibraltar, o Marrocos Francês, o Sudeste da França e Portugal. Os objectivos políticos da aventura parecem claros ao historiador: ela destinava-se a transformar a Espanha no terceiro parceiro dos alemães e dos italianos, conferindo-lhe «um peso e uma capacidade de decisão sem precedentes na Nova Ordem euro-africana que se preparava», para além de uma dimensão territorial consideravelmente alargada.
Esta tradução comporta um subtítulo – «Os Planos de Franco para Invadir Portugal» – que não consta do original castelhano mas realça o vector desse projecto belicista que nos dizia mais directamente respeito e que também mais nos pode perturbar, habituados de longa data a dar um grande crédito ao «Pacto de Amizade e Não-Agressão» luso-espanhol assinado em Março de 1939 e reforçado no ano seguinte com um protocolo adicional. Mas a verdade é que, por essa mesma altura, corria já a preparação da operação militar-relâmpago que deveria ter lugar nos primeiros meses de 1941 e envolveria só na fase inicial cerca de 250.000 homens.
A sua justificação formal integrava a invasão de Portugal num conjunto de movimentações de natureza táctica destinadas a isolar e a enfraquecer o poderio militar britânico, mas assentava num profundo menosprezo pela capacidade militar dos portugueses, passando uma esponja sobre o apoio de Salazar aos insurrectos franquistas durante a Guerra Civil e visando uma mais do que provável reunificação ibérica. Em conversa com Ribbentrop, o ministro alemão das Relações Exteriores, o ministro franquista Serrano Suñer terá mesmo afirmado que «geograficamente falando, Portugal na realidade não tinha o direito de existir.»
Conta-se afinal uma história do que não aconteceu. Sem as contrapartidas diplomáticas e territoriais que esperava dos alemães, o Caudilho viria a desistir dos seus desígnios hostis, convertendo essa «grande tentação» expansionista, que durante alguns anos o animou, numa «grande frustração», praticamente limitada ao controlo político de Tânger. O conhecimento destes planos permite-nos entretanto aferir melhor da verdadeira natureza do regime franquista e das intenções do seu mentor. Num exercício de história virtual, podemos também conjecturar sobre o que seríamos hoje se as coisas tivessem seguido o caminho previsto.
Manuel Ros Agudo, A Grande Tentação. Os planos de Franco para invadir Portugal. Tradução de Jorge Fallorca. Casa das Letras, 372 págs. [Publicado na revista LER de Dezembro de 2009]