Não se trata de mais uma daquelas sinopses destinadas a difundir detalhes biográficos dos dirigentes do Terceiro Reich. Ferran Gallego, professor de história do fascismo na Universidade Autónoma de Barcelona, dirige-se aqui a quem já conhece os factos essenciais, procurando principalmente «compreender um movimento de época através da experiência pessoal que se cruza com o espaço público» e descortinar as motivações e os caminhos que levaram um certo de homens a materializar o compromisso activo de importantes sectores da sociedade alemã com o programa nacional-socialista. Enquanto experiência assente num poder absoluto de uma magnitude até então desconhecida, o nazismo é aqui apresentado como um caudal de energias que resulta da confluência de determinadas condições históricas com a acção decisiva de um conjunto de personalidades fortes próximas de Adolf Hitler.
Gallego ocupa-se de um grupo de destacados colaboradores do Führer constituído por combatentes da primeira hora, todos eles com um lugar proeminente na construção do Partido Nacional-Socialista, e de um outro, formado por homens mais jovens que se mostraram particularmente preparados para assumirem um papel activo na direcção do partido e do Estado. Do primeiro fizeram parte Anton Drexler, pioneiro do nazismo e porta-voz de um nacionalismo popular, Julius Streicher, anti-semita convicto instrumental na ascensão de Hitler, Gregor Strasser, representante da esquerda nazi e «estratega pragmático», Ernst Röhm, instrumental na organização das forças paramilitares das SA, Hermann Göering, o criador da Gestapo e chefe da Luftwaffe, um conservador vinculado aos grandes interesses económicos, Robert Ley, responsável máximo pelo controlo do trabalho operário, e Alfred Rosenberg, o teórico aristocrata que fez dos factores raciais o núcleo do projecto utópico nazi. Alguns destes, como Drexler, Strasser e Röhm, viriam a ser eliminados ou marginalizados para que o antigo cabo pudesse emergir como líder irrefutável. No segundo grupo incluem-se Joseph Goebbels, o nacionalista nihilista, esteta criador do mito de Hitler e ministro da Propaganda, Baldur von Schirach, o organizador da poderosa Juventude Hitleriana, Heinrich Himmler, líder das SS, administrador do Terror de Estado e responsável por «uma duplicidade de protecção e de repressão» que acostumou a sociedade à violência de massas, Alber Speer, o tecnocrata cínico e vaidoso do qual o historiador se serve para abordar a arquitectura no Terceiro Reich, e Martin Bormann, o burocrata eficaz que se transformou na «sombra do Führer».
O livro abre e encerra com a evocação dramatizada do discurso de Thomas Mann pronunciado em Berlim em 17 de Outubro de 1930, no qual, confrontado já com a ascensão fulgurante do nazismo, o escritor pedia um compromisso salvador entre a democracia liberal e a social-democracia. Uma proposta destinada ao fracasso no momento em que, como recorda Gallego, tinha ganho já enorme peso uma percepção estética do «poder da Comunidade» que iria destruir a República de Weimar e riscar do mapa o jogo partidário.
Publicado na revista LER de Março
Ferran Gallego, Os Homens do Führer. A elite do nacional-socialismo. 1919-1945. Trad. de Carlos Aboim de Brito. A Esfera dos Livros, 528 págs.