Entrei casualmente numa página do Observatório do Algarve, já com alguns meses, que contém uma notícia intitulada «Alte revê-se na “Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”». Não sei de que forma a pessoa que falou sobre o documentário ali anunciado abordou o concurso organizado em 1938 pelo Secretariado da Propaganda Nacional do Estado Novo. Admito que o possa ter feito de uma forma correcta e contextualizada. Mas sabendo como grande parte das autarquias trata o seu passado, desconfio sempre de certas evocações locais. Demasiadas vezes, a demanda identitária, a «procura das raízes» que os seus responsáveis tentam levar a cabo, traduz-se na recuperação acrítica e anacrónica de eventos, figuras ou práticas desse passado. Apresentados como fragmentos puros da tradição, ou vectores patrimoniais, mais não são muitas das vezes, embora sob nova roupagem, do que uma forma de revivalismo ou de recuperação de valores que seria suposto a mudança histórica ter deixado para trás.
Não se trata aqui de negar uma parte da História – todo o passado merece ser olhado e compreendido – mas, no caso da «Aldeia Mais Portuguesa de Portugal», tem-se de facto assistido, tantos anos depois, ao branqueamento de um episódio marcante na reprodução dos ideais cívicos do Estado Novo. Foi António Ferro, o director do SPN, quem, referindo-se já em 1940 a Monsanto, a aldeia vencedora do concurso – e que por isso arrebatou um simbólico Galo de Prata –, falará da sua «imagem empolgante da nossa pobreza honrada e limpa, que não inveja nem quer a riqueza de ninguém, selo da pátria espiritual que fomos e queremos ser». Povoada por um conjunto de almas que «vive contente a rezar, a dançar e a cantar, dando lições de optimismo às cidades fatigadas». Melhor retrato da configuração salazarista do «verdadeiro Portugal» não há.