Rir e não rir
Perdoem a confidência mas quero dizer-vos que adoro rir. E mais ainda de fazer rir os outros. «If I can get you to laugh with me, you like me better, which makes you more open to my ideas», afirmou numa entrevista o enorme John Cleese. Talvez por vezes não pareça, eu sei, porque também gosto muito da tristeza (bonjour, bonjour, minha amiga), mas acredito que o melhor riso é o que nos interrompe os dias, não o que faz de nós perpétuos sorridentes, animados e um tanto patetas. Gosto pois de umas gargalhadas, das boas (mesmo, mesmo, mesmo, mesmo boas) e principalmente daquelas que largamos sem lhes conhecer a razão. Rir-se, lá dizia o velho Bergson, é um acto de intuição, e que melhor prova desta ligação do que rir por rir, sem mais nem menos.
Já o não fazia há muito, admito, mas aconteceu agora como vídeo do ministro suíço das finanças que circula à velocidade da luz pelo You Tube. Quase não percebi nada daquilo que o senhor dizia e os meus rudimentos de alemão não são suficientes para me esclarecer, mas a piada está toda aí: o próprio governante, soube-o entretanto, achou o discurso que algum acessor lhe havia colocado à frente tão non-sense que esqueceu o protocolo e não foi capaz de conter o riso. E riu, riu muito, descontroladamente, fazendo-nos rir com ele. Resultou comigo, como resultou com muitas outras pessoas. No caso em apreço, nem me interessa saber aquilo que o homem disse, nem quem é ou o que representa: aquele instante, tão raro nos espaços da política geralmente circunspecta e pardacenta, foi um momento especial, quase de catarse, que valeu por si e por isso foi extraordinário.
Parece-me pois completamente obtusa e sem ponta de piada a versão que circula por aí, supostamente «legendada em português» por um blogue de direita, que põe na boca do senhor suíço um qualquer arrazoado depreciativo sobre o Portugal de hoje e os seus governantes, tentando mostrar como estamos tão baixo, tão baixo, tão baixo, tão baixo no respeito das nações que até um pobre burocrata suíço se ri de nós. Para além de não ter graça alguma e de agregar uma série de clichés em tom de autocomiseração sobre a nossa vida social e política, redunda numa intervenção claramente reaccionária, vagamente messiânica e trauliteira, insinuando com bastante clareza a necessidade de «acabar com a brincadeira» para que nos ganhem respeito. E não é por ser «contra o Sócrates» que perde essa qualidade. Acham que é para rir?