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imagem ampliada e créditos aqui
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Sou dos que já compraram livros só por causa das suas capas. Claro que isto representou repetidos arrependimentos, decepções escavadas e algum dinheiro mal gasto. Mas ainda nestes casos, pelo menos durante aquele tempo que transcorre entre o acto da compra e a leitura muitas delas me sopraram grandes esperanças ou fantásticos cenários. Não recrimino os editores, e muito menos os autores, que fizeram pela vida e me ofereceram durante umas horas, talvez por alguns dias, doses de gozo expectante e de faina da imaginação. E mesmo após a desilusão, volto muitas vezes a pegar nesses livros de alma frágil, não pelo que eles contêm – que vale pouco, ou quase nada, e que por isso rapidamente esqueci – mas pelo que ainda parecem encerrar. Ao contrário, romances magníficos, ensaios notáveis, textos que deveriam permanecer sagrados, são muitas vezes diminuídos por capas medíocres e enfadonhas, sem ponta de beleza ou de criatividade, que impedem o potencial leitor de ver para além do que o texto oferece. Como gosto de acariciar livros, prefiro-os por isso apetecíveis e provocantes, antes mesmo de gostar deles «pelo que são».
Tudo isto por causa de Montag: by their covers: resgate do fogo (Ray Bradbury presente, claro), um blogue que acabo de descobrir todo ele dedicado ao design gráfico das capas dos livros. Essa bela arte que tem a vantagem de não precisar de paredes nuas e brancas ou de uma luz favorável. Nos últimos dias tem reproduzido textos de Jorge Silva Melo que partem de capas portuguesas belas ou insinuantes para falar dos romances, dos editores e dos gráficos que tiveram a sorte de se envolver com elas.
Não me sinto radiante com as recentes atitudes e declarações de Fidel Castro, nem tenho expectativa alguma em relação ao seu reconhecimento de «erros» pelos quais ao longo de décadas foi o primeiro responsável. E muito menos por ter agora declarado não ser exemplo a seguir, «porque nem na ilha funciona», o modelo de revolução pela qual se bateu e que ao longo de mais de quarenta anos talhou à sua imagem. Na verdade, o regime cubano pouco liga a tais fabulações e não dá o menor sinal de alterar as suas políticas no campo dos princípios, das liberdades e das políticas. Aquilo a que estamos a assistir é apenas a um processo visível de «diminuição cognitiva», erradamente tomado como acto de contrição. Um Castro assim dá pena. Deveria ter sido poupado no seu outono a este espectáculo triste e degradante. Haja alguém, entre os seus muitos amigos, que faça alguma coisa.
De cada vez que os grupos que contestam a existência legal das touradas dão sinal de si, os seus opositores, de peito feito e jaqueta assertoada, ou unhas afiadas e mantilha a condizer, entram a matar. Está-lhes na índole e por isso se compreende o tique. Aquilo que já não se aceita é que a comunicação social que lhes dá eco não interpele essa evidência: contra um sector de opinião que não gosta de braveza e se limita a emitir um juízo, procurando apoios para os seus pontos de vista, saem para a rua aos berros, farpas na mão, acusando os outros, os anti-taurinos, de «talibãs», de «fundamentalistas», talvez mesmo de bolcheviques encapotados (que são de longe os piores, como todo o mundo sabe). E ameaçando, velada ou explicitamente, irem-lhes às ventas se a ocasião se proporcionar. Um caso óbvio de não ver o argueiro em olho próprio.
O último acto desta comédia foi da iniciativa do guionista e autarca ribatejano F. Moita Flores, que nos promete, contra a petição legislativa que vai propor à Assembleia da República medidas contra as corridas, e ao estilo a minha é maior do que a tua, «reunir 100.000 assinaturas em defesa da tourada». Na sua argumentação «progressista» – pois considera a tourada um factor castiço de «progresso» económico, societário, cultural e até gastronómico – refere a dado momento que os militantes anti-tourada, que tanto o estorvam e tanto o enervam, «fazem abaixo-assinados, procurando destruir sem compreender, protestar quando a verdadeira essência do seu protesto são as suas próprias consciências». Acaba no entanto por pôr o dedo na própria ferida, carregando até doer. De facto, trata-se aqui principalmente de uma questão de consciência. O resto, da tortura bárbara de animais à civilidade marialva, são efeitos desta, não causas.
Lee Friedlander, Revolving Door | New York, 1963
Em Havana, Yoani Sánchez foi matricular o seu filho numa escola do ensino pré-universitário. Depois de ler um aviso ali afixado num quadro negro ficou na dúvida sobre se Teo iria entrar numa escola pública ou no serviço militar.
Acerca del uniforme: Las hembras no usarán más de un par de aretes. Las camisas y blusas se usarán por dentro. No se les harán pinzas, recortes para ajustar al cuerpo o que queden por encima de la saya o pantalón. No sustraer los bolsillos. Las sayas deberán tener un largo de 4 centímetros por encima de las rótulas de las rodillas. No se permitirán sayas pélvicas, decoloradas o con marcas de planchado. Los pantalones deberán ajustarse a la altura de los zapatos. No se permiten pantalones pélvicos. Las hembras no usarán maquillaje. No se permiten pulsos, collares, cadenas ni anillos. Los atributos religiosos no podrán estar visibles. Los zapatos serán cerrados y las medias blancas y largas. No se portarán MP3, MP4, celulares. Los varones no usarán aretes, presillas ni piercing. Los cintos deberán ser sencillos y sin hebillas excéntricas, grandes o a la moda, estos deberán ser de color negro o carmelita.
Acerca del cabello: Los pelados, peinados y afeitados deben ser los correctos, eliminando toda excentricidad y modismos ajenos al uso del uniforme. No se permite en los varones: el pelo largo, pintado, pinchos largos, ni figuras en el cabello. Las hembras no usarán aretes colgantes. Las prendas a usar en el cabello deben ser: azul, blancas o negras. Estas tendrán un tamaño acorde. El cabello de los varones no debe exceder los 4 centímetros.
Um obrigado pela dica à Joana Lopes.
Gosto da palavra camarada. Muito. E por isso me perturba vê-la abusada, banalizada. Como sílaba de um mantra. Como amparo desabrido de liturgias vãs. De futuros baços e autobloqueados. Já serviu a iniquidade, a opressão, a força bruta, a ordem exacta dos lugares sombrios. Já serviu o Mal. Mas também a solidariedade, a compaixão, a revolta e a esperança. Principalmente a esperança. Gosto de a ouvir na rua que é onde ela deve permanecer. Não em templates de comunicados de imprensa, orações de circunstância, missivas impessoais ou ordens de serviço. Gosto dela sem maiúscula. Rara e clandestina. Murmurada ou manifesta. Na rua, de onde jamais deveria ter saído.
Camarade [I]
TOCAR
Camarade [II]
TOCAR
Imprudentes, ou então demasiado confiantes na letargia do povo e na força da polícia, as autoridades moçambicanas subiram, de uma assentada, o preço da luz, da água, do arroz e dos produtos de padaria. Ignoraram a velha máxima de Juvenal, com quase dois mil anos, acerca do papel do pão – e, como é sabido, também do circo – na conservação do respeito e da acalmia das populações.
Recapitulando (e imaginando que os leitores e as leitoras deste blogue sabem forçosamente um pouco de latim…):
Uma das mais remotas recordações que tenho da morte como algo bem mais forte, bem mais presente, do que uma mera abstracção, foi-me interposta pelo monitor da televisão. Tratava-se de uma reportagem sobre o julgamento e a execução em Israel de Adolf Eichmann, que então, corria o Maio de 1962, acabavam de acontecer. O SS-Obersturmbannführer fora um dos arquitectos da «solução final» e dos principais administradores do Holocausto, classificado por Hannah Arendt, em Eichmann em Jerusalém, como humana expressão da «banalidade do mal». As imagens da câmara onde decorreu a sua execução, filmadas poucos minutos antes e após o enforcamento – a única execução civil da história penal de Israel, onde a pena de morte aplicada por tribunais não existe – impressionaram nessa altura muitas pessoas. E, tanto quanto consigo reconstituir uma experiência de criança, também me impressionaram bastante. Não apenas pela morte da pessoa em si, mas igualmente pelo cortejo de terror e de outras mortes, milhares, ou milhões, que simbolicamente ela transportava consigo. Nunca mais pude imaginar o trajecto final entre um qualquer «corredor da morte» e a execução definitiva do condenado sem rememorar aquelas imagens a preto e branco de um horror justiceiro.
Foi também aquela, creio, a primeira vez que ouvi falar de Simon Wiesenthal, o «caçador de nazis», judeu de origem ucraniana e antigo prisioneiro que sobreviveu a cinco campos de concentração e se tornou responsável, terminada a Guerra, pela localização e pela captura de Eichmann, tal como pela de muitos outros responsáveis pelos crimes gigantescos do nazismo. Deveu-se a ele, em grande parte, a primeira campanha sistemática de salvaguarda da memória da shoah através da identificação dos seus executantes, e um esforço tenaz, por ele também aplicado ao longo de décadas, para não a deixar cair no esquecimento e na irrelevância. Para muitas pessoas, a quem a justiça em relação à memória das vítimas do regime hitleriano e aos crimes dos seus carrascos ainda não tinha sido embotada por um anti-semitismo por vezes cego e acrítico, Wiesenthal tornou-se então uma espécie de super-herói vivo, incansável na sua «luta titânica», aparentemente solitária e mantida até à sua própria morte aos 97 anos, contra a omissão dos crimes dos nazis e pela averiguação do paradeiro dos seus mandatários ainda vivos.
Ora foi agora revelado, na biografia Wiesenthal – The Life and Legends, escrita pelo historiador e colunista israelita Tom Segev, com a aparente surpresa de alguns sectores, que a sua acção foi em larga medida financiada e protegida pela Mossad. Conhecendo-se o lugar histórico desta, na época da sua fundação, como agência de investigação aplicada na defesa do Estado de Israel, não vejo em que medida possa esta revelação aparecer, aos olhos de quem quer que seja, como estranha ou despropositada. A mim a ligação parece inevitável, quase natural, e, a bem dizer, na minha insciência de uma história detalhada da vida de Simon Wiesenthal, foi coisa que pensava já estar até reconhecida. Não percebo pois em que medida a revelação possa afectar o valor do seu importante trabalho justiceiro. Independentemente dos erros e atropelos que, como acontece com todos os trabalhos dessa natureza, possam ter ocorrido. Heróis perfeitos só na ficção, e mesmo aí convém não escavar muito fundo na caracterização dos personagens.
Operação de charme da República Democrática Popular da Coreia (do Norte) em canal próprio do You Tube. Um apreciável esforço para impressionar o mundo ao qual não falta uma banda sonora de invulgar qualidade.
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Fora do universo do «socialismo de Estado» e do marxismo mais imperativo, o perfil de Lev Davidovitch Bronstein, Trotsky, incluiu sempre os estigmas do herói e do mártir. A luta contra Estaline e o estalinismo concedeu-lhe desde cedo – e não apenas entre os seus seguidores – uma imagem pública de bolchevique «autêntico», que não traiu mas foi traído. Isaac Deutscher descreveu-o como o «rebelde par excellence», justamente para se referir às características que o transformaram, a partir de 1921, num crítico do regime que ajudara a estabelecer. Terá sido essa silhueta de «eterno revolucionário» a determinar o efeito internacional de sedução que projectou junto de sucessivas gerações de comunistas e outras pessoas da esquerda revolucionária desconformes em relação aos rostos do paradigma marxista-leninista. O papel decisivo na Revolução de Outubro e na criação do Exército Vermelho, a grande aptidão como orador, o valor literário dos seus escritos, associados a um estilo pessoal elaborado que o aproximava mais do intelectual do que do duro combatente maximalista, contribuíram também para fixar a representação encantadora do homem de letras dedicado a uma causa pela qual viria a dar a própria vida. Porém, nada disto seria suficiente para lhe assegurar a imortalidade. O passo definitivo foi dado pelo projecto político próprio, fundado na defesa de uma revolução permanente lançada à escala mundial contra a perspectiva do «socialismo num só país», e na percepção de uma «crise da direcção do proletariado» que tornava imprescindível um combate sem tréguas contra a degenerescência burocrática. A repressão brutal destas ideias e dos seus partidários, imposta por Estaline, acabaria por acentuar a noção de exemplaridade, de pureza revolucionária, mais tarde revigorada por biografias de pendor intensamente elogioso e hagiográfico como a de Deutscher, editada entre 1954 e 1963, e a de Pierre Broué, saída em 1988. (mais…)