Em Dezembro de 2009 deixei aqui um post semi-premonitório (embora já fosse muito fácil «adivinhar» aquilo que viria a acontecer) a propósito do Centenário da República e da grande feira – esse lugar onde tudo se vende e tudo se mostra, da boa fruta à banha-da-cobra – que iria ser montada à sua volta. Destaco um passo daquilo que então escrevi:
«Seria (…) um favor à memória da República e dos republicanos, e também uma dádiva à experiência actual da cidadania, que, mais do que endeusar ou diabolizar nomes, destacar ou amaldiçoar decretos, distinguir ou esconjurar determinados momentos, se procurasse compreender o essencial e não apenas o acessório e o inócuo. (…) Só desta forma os ideais republicanos poderão retroceder por instantes à vida, e deixarão de inscrever-se apenas num tempo remoto, fantasmagórico, que apenas interessará verdadeiramente os historiadores e o seu público. Porque não aproveitar para re-discutir o regime, o laicismo, a religião, a família, a escola, o ensino, as tradições, a opinião pública, a intervenção das mulheres, e outros temas que, cem anos depois, permanecem ainda nas nossas expectativas e preocupações?»
Sou historiador e cidadão singular, empenhado, em ambas e numa só pele, no destino comum. Interessa-me, portanto, olhar para os dois lados da moeda. Mas se o conhecimento da História da República e do republicanismo saiu globalmente reforçado das manobras do ano – como em tudo, com trabalhos excelentes e medíocres, interessantes e monótonos, inovadores e repetitivos, razoavelmente isentos (por vezes até de mais) e assumidamente prosélitos (o que não é necessariamente mau) – o debate pela cidadania piorou, uma vez que a oportunidade de comemorar confrontando o presente e projectando futuros praticamente se perdeu. Muitas vezes em favor do cerimonial, do auto-elogio e de intervenções deslocadas do tempo em que vivemos e das falas que partilhamos. E tão precisados estávamos, tão precisados nos mantemos, de um debate profundo, substancial e ousado, que questione tendências e não se limite a ensaiar receitas. Que confronte regime e sistema e não se limite a olhar para eles com um encolher de ombros desiludido, nostálgico e conformista. Teria sido uma boa oportunidade para lançá-lo com algum impacto.