Comecei a ler Mario Vargas Llosa sensivelmente pela mesma época em que comecei a ler Gabriel Garcia Márquez. No entanto, os nossos primeiros encontros não foram fáceis. A Cidade e os Cães e a Conversa na Catedral, com os quais me estreei, foram de uma leitura bem mais sofrida do que a do agora ultra-canónico Cem Anos de Solidão, de Márquez. O primeiro dos romances, para ser muito sincero, por causa de um homoerotismo latente que impressionava qualquer rapaz provinciano cheio de preconceitos como eu era, o segundo pelo grau de elaboração formal para a qual não estava preparado. Llosa e Márquez eram amigos nessa época e a vida e a ética política foram-nos depois distanciando, mas para mim a separação foi sendo construída, a partir dali, de uma outra forma. Enquanto os livros do peruano continuaram a surpreender-me pela versatilidade, os do colombiano passaram a saber-me sempre mais ou menos ao mesmo. Continuaram lado a lado nas estantes cá de casa – ainda lá estão, estou a vê-los daqui – mas fui-os colocando mentalmente em dois mundos cada vez mais opostos.
Devo dizer que da actividade política de Llosa como reformista «do centro» nunca me senti propriamente próximo, ainda que na longa noite da América Latina dos ditadores e das ditaduras esses qualificativos tenham adquirido sempre um sentido razoavelmente diverso daquele que, agora como na altura, lhes atribuímos aqui na Europa. Mas os seus ensaios e artigos de opinião desde há muito que o redimiram desses ímpetos liberais que podem sempre provocar, é também o meu caso, um certa alergia a muitos dos seus mais indefectíveis leitores e admiradores. Penso agora, convictamente, que parte substancial da grandeza de Vargas Llosa se encontra igualmente – a par do que vai compondo com a sua caixa de ferramentas de romancista – no constante trabalho no campo da não-ficção, indiciador de uma capacidade notável e permanente para dialogar criticamente com o mundo. Combatendo na vertical, e não poucas vezes com custos pessoais, pela liberdade do indivíduo e da palavra. Contra Pinochet ou Castro, Bush ou Bin Laden.
A Academia sueca atribuiu-lhe agora o Nobel da Literatura de 2010. Foi dito esta manhã que «pela sua cartografia das estruturas do poder e as suas imagens mordazes sobre a resistência, a revolta e a derrota individual». Entendo a declaração como um elogio associado a um Mario Vargas Llosa integral. Não apenas o grande romancista, mas também o defensor da fala livre e dos direitos humanos. Por isso, e pela primeira vez em bastantes anos, me senti feliz quando soube quem ganhara o prémio. Um prémio político? Espero bem que sim. Não só, mas também.
[Os 10 melhores links para entender Mario Vargas Llosa segundo El País.]