Aproxima-se o dia 24 de Novembro e com ele virá a Greve Geral destinada a protestar, em primeiro lugar nos locais de trabalho mas também nas ruas, contra as pesadas medidas de austeridade que para centenas de milhares de pessoas serão também de penúria. É impossível deixar de acompanhar a CGTP e a UGT nesta jornada de combate para retirar do silêncio o protesto daqueles que de uma forma ou de outra irão certamente sofrer. E não se pense que estes serão apenas os sectores sociais que já vivem na pobreza ou para ela caminham. Muitas pessoas que até agora mantinham uma vida digna, que não precisavam de cortar a direito na alimentação, na saúde, na educação, no vestuário, na habitação, vão ter de o fazer. Pior: vão ter de o fazer na perspectiva deste não ser ainda o fim da linha e sem uma previsão de melhoria para a próxima década. Protestar é por isso importante. Não porque o protesto ou «a luta» – esse conceito abstracto que algum tentam manter invocando a utopia do governo perfeito «dos trabalhadores» que sucederá à «queda do capitalismo» – leve os actuais governantes a mudarem de posição, mas para que, quem decide colocando os outros apenas como figurantes e não como protagonistas, entenda que é preciso pensar, procurar e promover uma alternativa.
Só que existe um problema que limita sempre o alcance deste combate. É verdade que as dificuldades são reais e não melhoram, antes pelo contrário, fazendo um apelo a que se conservem sem reequilíbrios, dentro do actual sistema, todos os direitos e regalias dos trabalhadores. Não se pode voltar ao velho slogan do final da década de 1970 bradando apenas «os ricos que paguem a crise». O Estado social não vive do ar e as coisas chegaram a um ponto tal que nem todo o dinheiro dos nossos ricos dará para fazer com que a economia passe a rolar de maneira equilibrada e sem problemas. Não se pode viver do dinheiro que não há e os sacrifícios serão, sem dúvida, inevitáveis. Mas é preciso evitar que eles penalizem sobretudo o elo mais fraco. A alternativa passaria necessariamente por uma política económica e social radicalmente diferente, capaz de alterar as suas prioridades em função de um conceito não meramente gestionário do serviço público. Capaz de combinar a dinâmica internacional do mercado com uma gestão segura mas corajosa e imaginativa dos recursos. Que não se aplique a nivelar por baixo mas aproveite as capacidades humanas e materiais do país para o tornar mais competitivo e próspero. Não sendo economista ou político profissional, não posso passar, como o cidadão, desta declaração de princípios utópicos que apontam para a compatibilização do desenvolvimento com uma política social justa.
Só que nada disto se pode fazer sem vontade política e o drama, o nosso drama, consiste em ser necessária uma política alternativa, solidária, democrática e de esquerda que não tem quem a prepare, debata, demonstre e aplique. Há cerca de duas semanas, num curto texto de opinião saído no Público, o politólogo André Freire queixava-se de que, em Portugal «a direita (PSD vs CDS) é capaz de cooperar; a esquerda (PS vs BE e PCP) não, nunca o foi, excepto em questões marginais de luta política», deixando implícita a necessidade desta cooperação «à esquerda». A verdade, porém, é que ela não é possível, uma vez que a linha dominante do PS apoia uma versão light das políticas neoliberais que subjugam o país e o mundo desde os anos oitenta, o PCP não sai da sua posição obreirista, mostrando-se incapaz de se comprometer com soluções democráticas de governo e limitando-se a uma posição de natureza protestativa, e o BE não tem ainda dimensão, maturidade política e apoio público para se apresentar como alternativa de poder. Diante desta situação, só resta a quem trabalha uma posição de protesto e defensiva. Preparando a resistência aos golpes ainda mais brutais que esse governo de direita que se anuncia inevitavelmente trará. A Greve Geral do dia 24 será um passo nesta direcção. Quem sabe se ela servirá para abalar consciências e lançar os fundamentos «subjectivos e objectivos» que permitam avançar gradualmente, com metas, numa outra direcção. Imaginar não custa dinheiro. Por enquanto.