A Greve Geral não é uma greve qualquer. Não representa a mera reivindicação pontual, o protesto isolado, apenas a jornada de luta de um grupo social por melhores salários e condições de trabalho, por direitos mais justos e uma vida melhor. Tem antes uma dimensão superior, uma vez que comporta uma carga assumidamente política. Porque contesta sem rodeios um governo, um regime, um sistema. Nesta Quarta-Feira e em Portugal, como noutros momentos e em outros lugares, será este, uma vez mais, o sentido da Greve Geral que as duas centrais sindicais convocaram e prepararam.
É verdade que os muitos trabalhadores que a ela aderirem apontam a objectivos concretos. Vão erguer-se contra as medidas de austeridade, contra a redução do poder de compra e dos salários, contra a ofensiva apontada aos direitos conquistados a pulso, contra o bloqueio das negociações colectivas, o congelamento das pensões e a eliminação dos abonos de família, contra o empobrecimento da população e aumento das desigualdades. Irão bater-se pelo investimento no sector produtivo, pela criação de emprego e pelo combate à precariedade, pelo aumento dos salários e uma distribuição mais equitativa da riqueza, pela melhoria da protecção social, por serviços públicos de qualidade e uma garantia do cumprimento das funções sociais do Estado. Mas a afirmação de objectivos tão claros e tão justos deve obrigatoriamente passar pelo crivo da realidade: no contexto actual, todos sabemos que a sua materialização no curto prazo não só é improvável como é impossível. Tal não significa, porém, que a greve apenas sirva para «marcar uma posição dos sindicatos», como já li por aí. Pelo contrário, ela pode servir para afirmar dois objectivos que ultrapassam o imediato.
Servirá, por um lado, para mostrar que o mundo do trabalho não se transformou numa força passiva, que aceita sem grandes lamentos ser transformada em bombo da festa ou em batuque de funeral. Que a gestão das sociedades tem obrigatoriamente uma componente social e humana não convertível à lógica fatalista da religião dos mercados financeiros. Servirá, por outro, para proclamar que não existe uma única via para a definição política da governabilidade. Em Portugal, como em muitas outras partes, este é um problema delicado, uma vez que o impasse e o recuo das esquerdas, divididas entre a administração de um imaginário «capitalismo de rosto humano» ou a mera gestão do protesto social, as conduziu a uma real impotência para apresentarem soluções alternativas. Porém, actos como este podem ajudar a alargar o processo de consciencialização e de amadurecimento político e orgânico que um dia – esperemos, sem ser de forma passiva, que ele não tarde muito – conduzirá a formas mais justas e solidárias de governar o social. Sem qualquer sentido messiânico e meta-histórico, como aconteceu num passado recente, mas como uma força tendencialmente optimista e afirmativa. É à espera deste salto em frente que adiro a esta greve. As reivindicações não vingarão de um dia para o outro, mas do remoinho poderá nascer o maremoto.