Ainda vou só a meio das 690 páginas de texto – com mais 50 de notas – mas já estou em condições de dizer que Susssuros. A Vida Privada na Rússia de Estaline, do historiador britânico Orlando Figes, é um dos meus grandes livros de 2010. Acabado de publicar pela Alhêteia e resultado de um projecto de investigação em larga escala maioritariamente apoiado no testemunho oral de sobreviventes e dos seus descendentes, não se trata de «mais um» livro sobre Estaline e o regime soviético. Analisa principalmente, com grande detalhe, «a maneira como o estalinismo se instalou na mente e nas emoções das pessoas, afectando-lhes os valores e as relações». Fala mais de integração, de aceitação, do que de luta, perseguição e resistência. E é também um excelente manual para se perceber a forma como o ascetismo «romântico» e o colectivismo bolcheviques, construídos durante os anos da luta contra o czarismo e da guerra civil que se seguiu a 1917, se transformaram em rígida norma de vida aplicada ao conjunto da sociedade. Funcionando também como um paradigma que ecoou, ao longo do século XX e à escala planetária, na gestão de outras experiências e na organização interna de praticamente todos os partidos e movimentos de matriz marxista-leninista. Não se trata de um estudo de natureza analítica, mas sim de um repositório de experiências pessoais que se lê com a mesma voracidade, a mesma tensão, a mesma dor e o mesmo prazer com os quais habitualmente acompanhamos um grande épico.