Passo estes dias frios na Beira Baixa e de manhã subi até Belmonte. Não ia há muito a esta vila de um grande interior abandonado à estagnação e ao isolamento. Parece agora um lugar que renasce devagar, apoiado em parte no interesse por uma tradição criptojudaica longamente ignorada ou omitida pela cultura cristã-velha. Afinal o antisemitismo tem por esta aba da Europa uma presença rígida e persistente que tardou em diluir-se na aparente normalidade multiétnica que agora partilhamos. Fiz a via sacra das ruas estreitas e graníticas, um tanto escorregadias também, da antiga judiaria. E estive no Museu Judaico, um dos melhores, mais bem concebidos e mais amorosamente conservados dos que conheço em Portugal. Nele revi pedaços de vidas escamoteadas, submersas gerações após gerações, roçando o fundo mais fundo do esquecimento, mas capazes ainda de nos acenarem um pouco. No fim da visita agradeci ao rapaz de kippah na cabeça o cuidado com a conservação daquela memória única. Sendo 24 de Dezembro, tive o pudor de não mencionar a um judeu as boas festas cristãs. Mas ele não se coibiu nada de me desejar um Bom Natal.