O Natal itinerante que escolhi este ano guardava-me duas boas surpresas. Surpresas mesmo, ocasiões raras, associadas a gestos que julgava perdidos para sempre dentro deste reduto perpendicular de 92.090 Km2. A primeira veio com o bolo-rei. Pela primeira vez em bastantes anos pude comer um com fava e brinde embrulhado em papel vegetal, como os da infância. Gozado com um deleite asininamente cavaquista, associado na sua intensidade à certeza de passar por cima de uma daquelas regras sanitaristas e lerdas emanadas da União Europeia. Mas a segunda surpresa foi ainda maior e melhor. Juro que, numa pastelaria-padaria do interior, frequentada por famílias aparentemente honestas e sem pinta de simpatia pelo Diabo, pude, na companhia de dezenas de prevaricadores, fumar um cigarro ao balcão, lançando baforadas intensas sobre os receptáculos nos quais repousavam pacíficos pães de trigo e de passas, ordeiras broas de milho, serenos cacetes integrais e, mesmo por baixo do meu nariz, um esplêndido pão-de-ló. Claro que não declaro onde aconteceu isto: não sou denunciante nem quero ficar na consciência com a responsabilidade de prejudicar algum chefe de família, funcionário da ASAE, na avaliação de competências relativa ao ano civil de 2010.