La Puissance d’exister, de 2006, é apresentada pelo filósofo francês Michel Onfray como um manifesto, retomando nessa qualidade alguns dos seus temas mais caros: um pensamento e uma intervenção abertamente libertários, a defesa do hedonismo enquanto «dispositivo de resistência», uma sexualidade liberta por uma vez da pesada ganga judaico-cristã e burguesa, um ateísmo pós-cristão, a valorização objectiva do lugar social do rebelde. Talvez esteja justamente nesta qualidade de síntese, de revisitação, de «ponto da situação» como o autor reconhece, o grande interesse que tem para o leitor a iniciar-se no reconhecimento do trabalho de Onfray, sempre proposto como uma ferramenta para «voltar a encantar o nosso tempo melancólico com a proposta de um pensamento a viver.» O autor fala do Maio de 68 principalmente como «um trabalho que não foi levado até ao fim», e logo como tarefa a completar. Define a revolução como um trabalho perseverante e ininterrupto, assente numa capacidade individual de superação que, evocando mais o conceito camuseano de revolta, se encontra inscrita «no progresso do espírito humano.» No final, formaliza uma declaração de princípios já intuídos ao longo do livro. «Uma sociedade anarquista» totalmente esvaziada da intervenção regular do Estado parece-lhe sempre associada, como hipotética solução, a «uma perspectiva sinistra e improvável». O objectivo que prescreve é por isso bem diverso: criar as condições para a afirmação, no interior das actuais sociedades democráticas existentes, de possibilidades individuais ou comunitárias de alcançar «uma ataraxia real», de espaços de tranquilidade, de serenidade, capazes de tornarem a vida menos carregada, menos penosa, com lugar para o treino e a afirmação de uma atitude hedonista. Uma configuração da acção que, à entrada deste segundo decénio do século, parece conter algo de escapista. É provável que assim seja, mas talvez venha justamente daí a capacidade de sedução que o pensamento de Onfray exerce sobre os seus fiéis leitores.
A tradução portuguesa, intitulada A potência de existir, foi editada em 2009 pela Campo da Comunicação.