Este é o primeiro de um conjunto de curtos posts sobre o passado recente e o futuro do Bloco de Esquerda que publicarei ao longo dos próximos dias. Quero esclarecer que não sou seu militante, embora seja apoiante e votante, e seu crítico também, desde a primeira hora. E que estou suficientemente próximo para controlar a margem de erro do que escrevo.
Quem veja a política, e em particular a política partidária, como uma experiência fundada no modelo unipessoal do líder que determina a linha, tem, visivelmente, uma grande dificuldade em dizer o quer que seja de razoável em relação à encruzilhada na qual se encontra neste momento o Bloco de Esquerda. O BE, convém lembrar, não funciona como o PS, o PSD ou o CDS, partidos nos quais a verdadeira força propulsora não é o programa ou a moção de orientação aprovada em congresso, mas sim a rédea e a retórica do líder e do seu pequeno grupo, que moldam a paisagem à sua volta para a adaptarem a uma intervenção carismática de tipo messiânico e a uma direcção centralizada. Foi este, aliás, um dos motivos que levou o Partido Socialista a um processo de descaracterização política que o fez perder a marca identitária de partido popular e de convicções. Mas o Bloco também não é o PCP, com uma direcção sedimentada, um corpo de funcionários profissionais e uma base social estável, que o autorizam a mudar alguns rostos e vozes sem com isso alterar significativamente a linha e o discurso. O Bloco é antes um partido de aproximações e de vontades, de convergências num ambiente de razoável liberdade, onde toda a gente fala com toda a gente, sem caciquismo instituído ou «centralismo democrático», que transforma cada militante, e mesmo cada dirigente, numa peça indispensável. Isto significa que pedir demissões a toque de caixa equivale a quebrar este clima razoavelmente aberto e democrático. E equivale também, dada a real escassez dos quadros, a propor a sua liquidação a médio prazo, eventualmente antecedida da tomada do poder por uma qualquer facção ultra-militante que o radicalize e faça sangrar até que retorne ao estado grupuscular de onde há mais de uma década partiu. [continua]