Releio dois parágrafos de Claudio Magris, em Danúbio, nos quais o escritor recorda certos frequentadores do clube Strohkoffer, na Viena dos anos 50 e 60, e revejo aquelas pessoas pelas quais todos passamos – ou que pelo nosso bairro físico e imaterial continuam a mostrar-se – cuja radicalidade alardeada, mas invariavelmente falha de inteligência e humanidade, se transvestiu rapidamente no seu reverso. E naquelas outras que em sentido contrário são capazes de escalar as suas circunstâncias e ir alimentando, devagar mas com segurança, sem mais ruído que o necessário, a heróica capacidade de infringir.
Nos seus «actos poéticos» de exibição, que pretendiam transformar a vida, havia a ingenuidade persistente de quem julga transgredir a lei do Pai despindo as calças, a presunção patética de programar a espontaneidade por encomenda e a arrogância dos que se crêem anunciadores de um novo evangelho clownesco-orgástico-cibernético, com muito pouca novidade.
Hoje seriíssimos volumes académicos celebram esse «ativismo» poético e ostentam com gravidade ideológica as fotografias de autores que se apresentavam ao público nus, a fazer chichi, mergulhando a pila em jarros espumantes de cerveja e amontoando-se em atitudes que gostariam de ser obscenas, quer dizer, originais e inocentes. A tudo isto falta cruelmente a invenção, o autêntico nonsense, a fantasia imprevisível, a ironia: a nudez e os gestos provocantemente ostentados são previsíveis como as fardas dos cadetes numa academia militar. Hoje, os ex-iconoclastas ganharam juízo, como os goliardos que se transformaram em notários, proferem conferências na universidade e criticam 1968.