Falta o brilho do Sol

Hammerfest

O Sol quase não brilha em Portugal. Os turistas que chegam do Norte extremo talvez não se apercebam disso. Quem viva eufórico um amor novo também não. Para os jockeys da finança brilha sempre. E para os craques do futebol também. Mas para o vulgar cidadão, que conhece em crescendo as contrariedades de cada dia que passa e as incertezas de um futuro sombrio, o Sol já quase deixou de brilhar. Vivemos todos em Hammerfest, aquela cidadezinha do setentrião norueguês na qual, como anunciava com ostensivo exagero o velho manual de Geografia, «até os cavalos se espantam quando passa alguém sem guarda-chuva». Podemos fechar-nos no espaço sagrado, miraculoso, da música, da literatura, das artes, dos pequenos doces caseiros, onde é possível vislumbrar um reflexo da luz solar. Mas ele é cada vez mais raro, frágil, efémero, confinado à imaginação da felicidade. E aos programas políticos no terreno – da esquerda à direita, ocupados com a gestão a olho da decadência mas desinteressados das arquiteturas de futuros – não chega a energia potenciada pela fotossíntese. No entanto, só estes, ou aqueles que saibamos fabricar, podem projetar, como um dia asseguraram os profetas da igualdade, caminhos de regresso à luz que «quando nasce é para todos». Afinal, até em Hammerfest há manhãs claras. Talvez mesmo de esplendor.

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