O impacto histórico e político do 11/9 começou a ser averiguado logo no dia seguinte ao da combustão das Torres Gémeas. Como ocorre com toda a tentativa empírica de contextualização de acontecimentos recentes, foi acompanhado de observações argutas, interpretações cautelosas ou afirmações disparatadas. Nesta última direção, poucas semanas depois, em Amesterdão, Norman Mailer erguia a voz perante uma audiência arrebatada: «Tudo o que está errado na América conduziu à construção de uma Torre de Babel que, consequentemente, tinha de ser destruída». Desqualificou aliás o ataque, afirmando que este devia principalmente «ser visto como uma crítica». Van Houcke, um jornalista holandês, acrescentou então: «Os sem-abrigo, os destituídos de poder, os aterrorizados, as minorias, estão a usar o terror para ripostar.» O antiamericanismo mais cego, esse não tinha quaisquer dúvidas sobre quem eram os verdadeiros culpados: «estavam mesmo a pedi-las!»
Com o tempo, no entanto, as explicações foram-se tornando menos precipitadas e simplistas, menos dependentes de fortes convicções e rancores de longa data, construindo-se gradualmente um legado documental e interpretativo rico e diversificado que é, para a década que se seguiu a um facto histórico de tal alcance, dos mais significativos que se conhecem. Em todo o caso, a generalidade das observações foi qualificando sempre o «choque» Ocidente-Islão como inevitável e potencialmente perigoso para a subsistência da paz, tendendo cada um dos «lados», apesar da diversidade das análises, a expurgar o outro da verdade e da razão. A imagem de uma «rua árabe» barbuda e ameaçadora, fundada no ódio e na violência, passou a dominar os média ocidentais, mas, de uma forma só aparentemente paradoxal, passou a dominar também a comunicação, rigidamente controlada pelas autoridades políticas e religiosas, que se fazia ouvir dentro dos próprios Estados islâmicos. E assim nos fomos mantendo até que, em dezembro de 2010, na Tunísia, a Revolução de Jasmim iniciou o rápido processo de transformação do mundo árabe com o qual convivemos.
A partir desse mês, o islamismo mais intransigente e violento deixou de ser vivido e apresentado como uma tendência dominante e que não podia ser evitada. Como nota David Remnick na New Yorker desta semana, os acontecimentos no Norte de África e no Médio Oriente têm revelado a construção de uma alternativa poderosa aos governos ultra-autoritários e ao terror islamita. Há ainda pela frente enormes lutas a travar – lutas entre a modernidade, a democracia representativa, o fundamentalismo religioso, o tribalismo, aquilo que resta dos velhos regimes ou dos sonhos ainda mais antigos do «nacionalismo árabe» e do «socialismo islâmico» – e ninguém pode saber o que vai acontecer, mas o desaparecimento dos regimes de Ali, Mubarak ou Khadafi, talvez mesmo, num prazo um pouco mais dilatado, os de Assad, dos mullahs do Irão, ou mesmo da realeza saudita, deixa no ar um perfume de abertura, diversidade e esperança. Neste sentido, a visão catastrófica e sanguinária do papel do Islão aberta com o 11/9 tem vindo a ser pulverizada. Esta é, com toda a certeza, uma viragem de página numa História que nos habituámos a ver em movimento cada vez mais acelerado. Por isso o atual cenário é o melhor que poderíamos esperar para evocar de forma minimamente positiva o que de terrível aconteceu há dez anos.