Desconfio muito da maioria dos estudos que atestam o crescente interesse dos jovens portugueses pela leitura. Dando de barato que em regra falamos de indivíduos que têm entre 15 e 24 anos, é uma evidência que o grau de relacionamento com o ato de ler se tem vindo a ampliar, quanto mais não seja porque têm vindo também a crescer em volume e distribuição geográfica os espaços e os suportes que impõem a presença do texto, da palavra escrita, no quotidiano das pessoas. Jovens ou não, claro. Admito até que a perceção do valor social da leitura tenha crescido em ligação com o alargamento da escolaridade e o aumento do número de cidadãos e de cidadãs com maior formação académica. Mas já questiono o crescimento de um padrão de leitura sólido e que integre de facto a formação e os hábitos dessas pessoas.
O problema, a meu ver, advém desses estudos se fundarem em inquéritos com perguntas vagas sobre se o inquirido lê ou não, se acha ou não importante que o faça, se planeia ou não fazê-lo no futuro. Brincando um pouco, diria que se me perguntarem se é útil ou se gostaria de fazer uma viagem pela Antártida para ver os pinguins e observar um continente a derreter-se, eu afirmarei que sim, apesar de não ter a menor intenção de ir amanhã de manhã marcar a viagem e comprar um anorak. O que me parece é que este tipo de estudos requer, para ser válido, uma observação ampla e continuada, e a materialização de respostas mais objetivas a perguntas como «que géneros lê e em que percentagem?», «quais os livros que leu de facto no último ano?», «lê-os na totalidade ou só parcialmente?», «com que frequência desiste a meio da leitura de um livro?», e outras que com mais algum esforço decerto ocorreriam.
Digo isto por causa de uma situação que, apesar de conviver com ela diariamente desde há alguns anos, não deixa de me perturbar. Explico-me rapidamente: dou aulas de cadeiras de história cultural e política em diferentes cursos de uma Faculdade de Letras, onde, naturalmente, se encontra, em termos percentuais, o maior número de alunos universitários que lê habitualmente. Mas posso garantir que nos últimos tempos – e a amostra não é desprezível pois todos os anos letivos tenho pelo menos, e só nas licenciaturas, cerca de 400 alunos – há um mínimo de 80% que não lê um único livro inteiro, de fio a pavio, no campo do ensaio e do romance, ao longo do ano. A maioria lê fragmentos (fotocópias, sebentas, sínteses, artigos da Wikipédia ou páginas web «que resumem tudo muito bem», e outros suportes frágeis e descartáveis), mas não mergulha no padrão de leitura completa e imersiva que define uma articulação sustentada com as obras. Para não falar do absoluto desinteresse pela composição de uma biblioteca pessoal ou, muitas das vezes, pela simples anotação de uma referência bibliográfica particularmente útil ou incitadora.
Existem exceções? Claro que sim, e muitas. Conheço felizmente bastantes estudantes universitários, meus alunos ou não, e não apenas das pós-graduações (onde o panorama é forçosamente outro), que são leitores habituais, alguns deles compulsivos até. Mas esta não é a regra. E falo, relembro, de alunos… de Letras. O que esperar então de escolas mais vocacionadas para outro tipo de saberes? Quando por um destes dias, ao seguir no telejornal uma reportagem sobre os pais que no início do ano letivo do ensino secundário desembolsam com tanta dificuldade 300 euros em livros, pensei em como seria bom que todos os alunos universitários gastassem no mínimo 100… por ano. Gastarão? Estou certo de que não. Muitas vezes, esta é a verdade, os inquéritos sobre o real social perdem-se por trilhos esconsos, observando a «mancha», os grupos como um todo, mas esquecendo-se de observar, de acompanhar e de ouvir as pessoas que o compõem.
Uma nota final pela positiva: este panorama pode mudar? Claro que pode, mas para projetarmos saídas é preciso conhecer bem, e não apenas ao nível da epiderme, a realidade problemática com a qual nos confrontamos quando olhamos as práticas de leitura dos jovens. Por isso, o pior que podemos fazer é iludir-nos com cenários deslumbrantes feitos de cartão e cordel que caem facilmente com um pequeno empurrão.