A decisão de anular, numa altura em que estavam já marcadas e anunciadas, as entregas dos prémios de 500 euros destinados aos dois melhores alunos de cada escola secundária pública, é, obviamente, uma vergonha e um ato de maldade pura. Atirou para o lixo as expectativas dos jovens premiados, muitos deles com dificuldades económicas, e deu-lhes um mau sinal sobre a forma como o Estado deve ser (ou não deve ser) considerado «pessoa de bem». Ensina-se assim o cidadão de amanhã a não confiar em ninguém. Desde logo, e em primeiro lugar, em quem dirige a coisa pública. Algumas das escolas, tentando minorar a deceção dos seus alunos mais esforçados, estão agora à procura de entidades privadas que possam, a troco de alguma publicidade, ajudar a reduzir um pouco os danos.
O caso vem trazer para primeiro plano um problema, periodicamente debatido, sobre o qual existem posições divergentes, transversais até na relação com o mapa político e partidário. A saber: justifica-se ou não a existência de prémios destinados a laurear os melhores alunos? Algum pensamento devoto do ensino «centrado no aluno» – já malevolamente cunhado de «eduquês» – considera que não, entendendo ser apenas necessário criar condições para que todos se sintam motivados. No dia ideal em que tal acontecer, só não terá boas notas quem não quiser ou for mesmo burrinho. Numa área à gauche, mais voltada para a «criação das condições objetivas», pensa-se que a atribuição de prémios contraria o igualitarismo, amplia os contrastes sociais e coloca sobre os ombros dos jovens uma responsabilidade que deve caber ao Estado. À direita, os prémios são muitas vezes defendidos, mas como instrumento de gradual composição de um escol, de uma meritocracia, que assenta na definição de uma elite de futuros «mandantes» com lugar de destaque numa sociedade devidamente ordenada. Na qual é suposto mandar quem sabe (e pode) e obedecer quem deve.
Pode a todo o momento dizer-se, e é uma verdade, que existem alunos automotivados, que já têm ou se esforçam por procurar as melhores condições para desenvolverem os seus conhecimentos até um grau superior. Mas insistir nestes casos como de possível generalização representa um erro enorme, só possível a quem do ensino tem uma visão parcial desenvolvida em espaços que podem ser a boa exceção mas não são com toda a certeza a triste regra. A esmagadora maioria dos estudantes – de todos os graus de ensino, deve sublinhar-se – não possui condições, ao nível da escola, da família, do meio, do estatuto económico, para chegar a esse estado de automotivação. Por isso carece de estímulos e de formas de reconhecimento público que lhe podem ser oferecidas pelo Estado ou por entidades e organizações que preencham esse papel.
Na escola como em qualquer emprego, normalizar «pela tabela», isto é, por baixo – como se fez em Portugal durante décadas com os resultados que se conhecem –, é um incentivo ao triunfo dos medíocres e à marginalização ou à desistência de muitos dos melhores, por vezes executada «à nascença». Valorizar e premiar com reconhecimento social, e eventualmente com algum apoio financeiro, quem se esforça, quem procura, quem se interessa, se levanta mais cedo, se mete à estrada, se empenha para ser bom naquilo que faz – e não necessariamente, é preciso dizer, para tornar-se «melhor que os outros» – é um dever que qualquer governo democrático deveria apoiar. Considerando o ato como um investimento e não como uma dádiva. Mesmo sabendo-se que a aferição da qualidade pode trazer consigo, em certos momentos, alguma dose de injustiça. É esta possibilidade que o governo português acaba de defraudar e que algumas das pessoas que criticam o gesto tão-só e apenas por ele tirar aquilo que prometera – e vir de quem vem – defraudam também.