Um Deus consentido

L'homme

No primeiro de novembro de 1954, Camus escreveu no seu caderno diário: «Leio frequentes vezes que sou ateu, oiço falar muito do meu ateísmo. Ora essas palavras nada me dizem, não têm qualquer sentido para mim. Não acredito em Deus e não sou ateu.» Uma forma íntima, e suficientemente simples, de insistir na abordagem de Deus, traduzida na decisão de não considerar o problema da sua existência como tema que mereça sequer grande atenção. Em A Peste, quando é perguntado ao Dr. Bernard Rieux se acredita em Deus, este responde com outra pergunta: «Não. Mas o que é que isso quer dizer?». Dito de outra maneira: a resposta a essa dúvida interessará a alguém? A aproximação mais completa ao tema surge, no entanto, em O Homem Revoltado. Aqui o sujeito em estado de revolta não põe necessariamente em causa a existência de um qualquer ser supremo, mas contesta a sua autoridade, que pensa dever ser aceite apenas com o consentimento unânime dos humanos. Uma religião consentida, um Deus democraticamente adotado, que não seja todo-poderoso, temível e castigador, eis a única medida aceitável do divino.

    Olhares.