Autor de diversos trabalhos no campo da teoria social e da sociologia histórica, Michael Mann serviu-se dessa experiência para abordar o fascismo de uma forma pouco habitual. Desde logo, fazendo uma aproximação sistémica e comparativa a situações e a movimentos mais habitualmente estudados experiência a experiência, país a país. Depois, dando uma importância maior às circunstâncias, em detrimento da centralidade normalmente atribuída aos factos de natureza política. E, por fim, como resultado desses dois primeiros aspetos, insistindo no lugar decisivo das pessoas, das suas aspirações e das suas propostas. Deixando, ao mesmo tempo, a dimensão mais propriamente orgânica e institucional num segundo plano. O que lhe importa é, afinal, menos a conservação do poder do que a preparação da sua conquista, sendo esta que em Fascistas (Edições 70) se propôs observar, compreender e revelar-nos. A estrutura da obra, saída originalmente em 2004, é entretanto razoavelmente simples: um capítulo de natureza metodológica no qual se justificam as escolhas e se passa em revista a produção académica e a teoria geral do fascismo; outro sobre a emergência dos movimentos fascistas no seu contexto histórico, aproveitando para construir uma tipologia das correntes europeias de natureza autoritária; e mais sete dedicados a seis Estados no interior dos quais a corrente pôde impor-se como dominante, tomando e conservando o poder (Itália, Alemanha, Áustria, Hungria, Roménia e Espanha).
O argumento central de Mann assenta na tentativa – apoiada num estudo detalhado dos diferentes casos nacionais – de mostrar que por detrás, ou antes, dos fascismos estão os fascistas, e que é na compreensão dos processos de afirmação social, cultural e política destes que se encontra a chave para compreender a corrente de um modo mais completo. No entanto, como seria de esperar num trabalho desta natureza, recusa o uso abusivo e impreciso do próprio termo «fascistas», frequentes vezes utilizado como vitupério aplicado a governantes meramente autoritários e associados à direita política, como De Gaulle, Bush ou Berlusconi. Ao mesmo tempo, procura retratar os verdadeiros fascistas na complexidade das suas convicções e de uma prática capaz de associar o paramilitarismo, o nacionalismo, o estatismo, o elitismo e uma intenção explícita de depuração de setores da sociedade considerados parasitários, aos quais se deve ainda ligar o culto da personalidade, o recurso intensivo à teatralidade e uma procura da unanimidade concebidos como instrumentos de uma conceção transcendente e revolucionária da autoridade do Estado.
Esta edição portuguesa contém ainda um importante ensaio introdutório de António Costa Pinto, no qual, para além de situar a obras num contexto atualizado dos estudos sobre o fascismo, este aborda a nossa experiência nacional e mostra a razão pela qual, para ser coerente com a tipologia proposta, Mann teria necessariamente de deixá-la de lado. Para o explicar, lembra que no nosso caso «é já em plena transição para o Estado Novo que a tensão entre um fascismo nativo e outros segmentos das elites e movimentos políticos autoritários se desenrolou, com a vitória dos últimos.» Uma perspetiva do caráter não abertamente fascista da longa e ensimesmada governação de Oliveira Salazar – jamais compartilhando as tensões de mobilização das congéneres fascistas e promovendo preferencialmente a apatia – que a aproxima antes de uma forma de «conservadorismo autoritário». Como se sabe, uma interpretação que não tem a concordância generalizada dos estudiosos e observadores.
Michael Mann, Fascistas. Prefácio de António Costa Pinto. Trad. de Marcelo Felix. Edições 70. 480 págs. Nota publicada na revista LER de Outubro de 2011.