Duas das mais difundidas fotografias de Charles De Gaulle (1890-1970) ilustram de forma sinóptica o essencial do seu legado como homem público com um lugar central na História da França e da Europa. A primeira foi obtida a 18 de junho de 1940, nos estúdios da BBC, no momento em que a partir de Londres exortava os franceses a resistirem aos ocupantes nazis e aos colaboracionistas de Vichy. A outra apanhou-o em 1970, quase no final da vida, quando já sem qualquer cargo passeava com a mulher, Yvonne, pela propriedade-refúgio de Colombey-les-Deux-Églises. Entre o momento da empolgada coragem e o da retirada amarga e sem glória tinham decorrido apenas três décadas, suficientes, no entanto, para fazerem do general uma figura decisiva do segundo pós-guerra. Escrita por Éric Roussel, jornalista do Figaro, esta biografia evoca no entanto um De Gaulle peculiar, reescrevendo certos momentos do seu trajeto e juntando-lhe outros, por ter sido possível ao autor aceder a arquivos entretanto abertos onde encontrou entrevistas, declarações, citações e confidências menos conhecidas ou de todo ignoradas.
Por isso é um De Gaulle mais pragmático do que dogmático, mais inconstante do que consequente, aquele que Roussel revela. Isso é bem visível em situações tão complexas quanto as que levaram ao seu corte pessoal com o marechal Pétain, de quem fora aliás diligente ajudante, à organização em Londres da resistência militar francesa ao invasor nazi, à condução das negociações que levaram à independência da Argélia, à participação na construção de uma Europa preocupada em fazer frente à crescente hegemonia americana. Numa época como a atual, em que os destinos da Europa são ajustados entre Paris e Berlim, vale a pena rever aqui o arranque da aproximação de princípios políticos e de interesses entre a França gaullista e a Alemanha Federal governada por um Konrad Adenauer com quem o biografado facilmente encontrou pontos de contacto.
Claro que esta razoável revisão do percurso de De Gaulle não ilude a sua formação e as suas convicções conservadoras – cedo declarou a sua aversão à tradição iluminista, foi incapaz de compreender o Maio de 68, chegou a declarar simpatia por uma eventual restauração monárquica – nem o exagerado conceito que tinha das suas próprias capacidades. Um fragmento do seu autorretrato é, sob este aspeto, elucidativo: «As personalidades poderosas, organizadas para a luta, a provação e os grandes acontecimentos nem sempre têm vantagens óbvias, aquela sedução superficial que agrada no curso da vida ordinária.» Daí, pois, o dever que, para o general, estas tinham de agir como seres solitários equipados com uma vontade indómita. Este livro, de leitura fácil mas útil, mostra de que forma o ex-presidente francês procurou levar a cabo a parte desse destino singular que acreditava estar-lhe destinada.
Éric Roussel, De Gaulle. Trad. de Victor Silva. Edições 70. 244 págs. Nota publicada na revista LER de Outubro de 2011.