Há já algum tempo que não escrevo sobre os caminhos e as escolhas do Bloco de Esquerda. Não por falta de assunto ou de vontade, mas apenas porque me tem parecido pouco útil alimentar, em época de intenso drama coletivo, o fogo de conflitos menorizados à escala e conservados em lume brando. Tenho, por exemplo, evitado mencionar o lamentável eclipse do debate projetado no período que se seguiu à derrota eleitoral de 5 de Junho, materializado no adiamento de uma Convenção Nacional destinada, não a fazer «rolar cabeças», mas a desenvolver o debate político, a aperfeiçoar a atividade militante, a rever erros e descaminhos. Tenho também passado por distraído ao dar a impressão de não reparar no regresso à desmesura da política de tribuna, adiando, aparentemente sine die, a construção de uma alternativa política lançada no terreno e associada a um movimento de opinião amplo e elástico. Alternativa capaz de iluminar um futuro de combate que não seja meramente protestativo e que tenha uma meta no seu horizonte (uma meta, vinque-se, não um destino, pois sabe-se como a demanda deste deu péssimos resultados no passado). O meu objetivo ao regressar ao tema é, entretanto, menos ambicioso.
A anunciada saída do Bloco do setor associado à chamada Ruptura/FER – cerca de 200 militantes pelas contas de Gil Garcia, o seu único rosto razoavelmente conhecido – é uma excelente janela de oportunidade. Não vale a pena dispender demasiado tempo com essa agremiação, formada por uma estreita mescla de pessoas que têm da esquerda uma visão maximalista e messiânica («revolucionária», acreditam), herdeira do pior dogmatismo marxista, e que têm da democracia e da justiça social uma visão redutora, assimilando-as a meras trincheiras da luta de classes. O seu futuro está traçado e seguirá o caminho de todos os grupúsculos do género – eles pensam que não, naturalmente –, se os seus partidários não tiverem o bom senso de colocarem o trotskismo entre parêntesis e de se aproximarem do PCP, que faz o mesmo de uma forma muito mais eficaz e consequente. O que importa, e o que interessa dizer agora, é que a presença organizada desse setor foi, durante algum tempo, fator de instabilidade e de limitação do debate dentro do Bloco, uma vez que, como força antidemocrática mas hiperativa, se entretinha a diabolizar quem dele divergia, transformando muitos debates em inúteis e irritantes sessões de estúrdia política.
Sei que é uma observação unilateral, mas conheço bastantes pessoas que, de forma mais ou menos direta, se afastaram do Bloco de Esquerda, deixaram de frequentar as reuniões ou adiaram a sua filiação justamente porque não podiam pactuar com a agressividade e a intolerância demonstrada pelos adeptos do grupo. E de muitos cidadãos eleitores, em particular nas recentes eleições, que se afastaram por não quererem avalizar atitudes públicas por eles tomadas. Aliás, para a Ruptura/FER, como para todos os grupos de índole sectária, a palavra unidade era sempre adjetivada, valendo apenas aquela que se aproximasse o mais possível dos seus próprios princípios e métodos, sendo os restantes motivo de escárnio e de intenso mal dizer. Liberto deste fardo, não o único mas sem dúvida o mais pesado, o Bloco tem agora melhores condições para desenvolver um debate interno calmo e produtivo, sem azedume, e, menos receoso de confrontar o dogma, para crescer e para se abrir mais à sociedade. Que tão precisada está de vontades e de braços envolvidos numa mudança política ousada, solidária, agregadora e, last but not the least, realista.