Se existe atitude pela qual tenho um afeto particular, é ela a capacidade de regeneração que certas pessoas conseguem aplicar ao seu aparente destino, assumindo mudanças de atitude, de crença e de sensibilidade que contrariam as imposições do meio, a tradição familiar, os códigos impostos no ambiente de trabalho, o quadro político que um dia adotaram, os padrões que julgaram inquestionáveis. Talvez mesmo o código genético que sentem na boca mas que se esforçam por contrariar. Esta é no entanto uma escolha difícil e geralmente mal entendida, apesar do aforismo segundo o qual «só os burros não mudam». A maioria das pessoas, é esta a verdade, arruma o seu mundo em gavetas e prateleiras, cola etiquetas identificadoras nos outros e em si própria, e reage mal a uma mudança profunda, que vê sempre como gesto de oportunismo, falha de personalidade ou sinal de uma patologia esquiva. Está comprovado que existem traços de sensibilidade e de feitio, princípios de ética, gestos de etiqueta, modalidades de gosto ou de desgosto, que geralmente se conservam inalteráveis, mesmo quando quem os detém muda de cara ou de quadrante. A frase, tantas vezes dita, «isso é mesmo dele», ou «é mesmo teu», traduz esse elo de continuidade que, como a pele e as sobrancelhas, transportamos ao longo da vida. Mas, para além desta permanência, existe sempre um mundo de possibilidades capaz de levar um homem ou uma mulher a mudar o seu destino.
A fotografia que abre este post tem servido muitas vezes para evocar a luta pelos direitos cívicos dos negros na América dos anos cinquenta. Foi tirada em 4 de Setembro de 1957 na cidade de Little Rock, Arkansas, no momento em que estudante afro-americana Elizabeth Eckford, de 15 anos, tentava dirigir-se a uma aula na High School local. Uma multidão de brancos racistas, com a complacência de um destacamento da Guarda Nacional, procurou então afastá-la de exercer esse direito, insultando-a durante o caminho até à escola e, mais adiante, impedindo-a de avançar. A fotografia tem dois polos: um é a própria Elizabeth, que pressentimos a estremecer por dentro mas permanecendo altiva na sua decisão de avançar, a outra a de Hazel Bryan (hoje Massery), a rapariga com um semblante de puro ódio que lhe grita os insultos que podemos adivinhar. Ora o curioso do episódio é que, anos depois, se tornaram amigas – as duas estão vivas, aliás – e apesar de alguns desencontros vulgares não mais deixaram de mostrar mutuamente estima e respeito, partilhando mesmo muitas convicções. A sua história, conhecida há já bastante tempo em traços gerais – ambas chegaram, aliás, a aparecer juntas no Oprah Winfrey Show – acaba agora de ser contada com todo o detalhe num livro do jornalista e escritor David Margolick. Elizabeth and Hazel: Two Women of Little Rock, que a Yale University Press editou há poucas semanas, é uma história de proveito e exemplo sobre a tal capacidade de regeneração que todos possuímos. Embora a dispensemos ou a percamos pelo caminho. Mesmo sabendo que chegou a estar ali à mão.