Uma amostra de Olivier Rolin, retirada do primeiro capítulo do recente Baku, editado pela Sextante. O Azerbaijão – país sensivelmente com a mesma área e número de habitantes deste, como ele à beira-mar plantado – agora ao vivo e a furta-cores. Viagem, devaneio, jogo, evocação, num romance-reportagem que o não é bem. Um belo livro, aviso já.
Na Rua Rasulzadeh, uma rua pedonal, acaricia – oh, apenas com o olhar – pequenos traseiros bamboleantes e longos cabelos negros varrendo ombros morenos. Se todos os países do Islão fossem como este, onde as raparigas andam sem véu e de saia curta, onde servem vinho e vodka em qualquer tasca, estaria disposto a tornar-me muçulmano, pensa ele. Enfim, não está na ordem do dia. Vira à esquerda na Abdulkarim Elizadeh, cujos passeios empedrados a preto e branco lhe recordam Lisboa. À direita, um belo edifício de estilo hanseático, testemunho da época em que Baku era a capital mundial e cosmopolita do petróleo, exibe numa fachada um letreiro pintado e já quase sumido, que deve datar de antes da Revolução. Recordação bem longínqua da sua infância, quando Paris era uma cidade pintada. Tal como surge nos quadros impressionistas, ou nas fotografias de Atget ou de Marville. (…)
Ei-lo agora a chegar ao pequeno restaurante onde costuma jantar quase todas as noites, o Mangal. Aí, sabe o nome de todos os pratos, em azeri e em russo, mas pede sempre os mesmos. Senta-se também sempre à mesma mesa (não há muitos clientes). O viajante longe de casa é como um dado lançado, rola por momentos, hesita, vacila e depois encontra o equilíbrio e não se mexe mais. Ganham-se hábitos, tanto mais necessários quanto quase tudo à volta é desconhecido. Gosta de pôr à prova o seu russo rudimentar, mas o pessoal sabe um pouco de inglês, e então respondem Welcome ao seu Zdrastvuité, e o seu pedido de uma espetada de frango, kuritsa, é confirmado por um chicken shashlik. Isso dececiona-o um pouco, mas compreende que, se para ele o russo é uma língua de luxo, por ser rara e difícil, para os seus anfitriões ela não é mais do que a língua do antigo ocupante, e que eles sentem orgulho em arranhar um pouco o inglês. Para ele, pedir um bokal vina, um copo de vinho, mostra que não é um qualquer parolo internacional, um vulgar quadro de uma companhia petrolífera, mas eles têm orgulho em mostrar que não são uns saloios caucasianos, que já estão globalizados. Chicken shashlik, pois, and a glass of wine, please, krássni i sukhói, por favor, red and dry. Mastigando essa famosa espetada de frango, pensa (vagamente, distraidamente, como sempre) nesse paradoxo que faz com que aqueles que se encontram no centro do mundo aspirem a demarcar-se dele, ao passo que aqueles que dele estão afastados não sonhem senão com a sua integração. (…)
Carrosséis giram sob as árvores do bulvar, há casais sentados nas tascas e militares a deambular nas suas fardas verde-espinafre, ostentando grandes bonés com galões dourados. Engatatões tentam a sua sorte, desajeitadamente, junto de raparigas de jeans e salto alto que passeiam de mão dada, mas são repelidos. Os companheiros seguem-nos, com um ar trocista, mas no fundo apreciativo. Pose descontraída, mãos nos bolsos traseiros. O grupo vai relaxar num punching-ball eletrónico.