O historiador britânico Paul Preston considera que durante a Guerra Civil de Espanha perto de 200.000 homens e mulheres foram assassinados longe das áreas de batalha, executados extrajudicialmente ou na sequência de processos sumários. Morreram em consequência do golpe militar contra a Segunda República levado a cabo em julho de 1936. Pelo mesmo motivo, pelo menos 300.000 homens perderam a vida nas frentes de combate. Além disso, um número desconhecido de homens, mulheres e crianças foi vítima dos bombardeamentos e dos penosos êxodos que se seguiram aos avanços das forças de Franco diretamente apoiadas pela Alemanha e pela Itália e com a conivência de Salazar. No conjunto da Espanha, depois da vitória definitiva dos rebeldes nos finais de março de 1939, cerca de 200.000 republicanos foram por sua vez liminarmente executados. Muitos mais, aliás, morreram de fome e de doenças nas prisões e nos campos de concentração onde foram acantonados e mantidos em condições infra-humanas. Outros ainda sucumbiram ao regimento brutal dos batalhões de trabalho. A mais de meio milhão de refugiados não lhes restou então outra saída se não o exílio, perecendo muitos nos campos de internamento franceses. Vários milhares foram também enviados para os campos de extermínio nazis. Toda esta lista de mortes e horrores constitui aquilo a que Preston, num livro publicado em Espanha há perto de um ano, chamou o «Holocausto espanhol».
Neste volume de quase 900 páginas, boa parte delas ocupa-se da repressão na retaguarda. É verdade que ela ocorreu tanto na zona republicana quanto nas áreas controladas pelos franquistas, mas o livro comprova que a intensidade e a ferocidade da repressão foram incomparavelmente maiores do lado antirrepublicano, atingindo um número impressionante de pessoas quem nem sequer haviam participado em qualquer forma de ativismo político. Os cabecilhas da rebelião, os generais Mola, Franco e Queipo de Llano, tomavam uma parte do povo espanhol como raça inferior a qual havia que subjugar de modo fulminante e intransigente, aplicando logo que puderam o terror exemplar que haviam treinado no exército colonial. Foram, no entanto, apenas a cabeça de um corpo muito maior de adeptos da repressão sangrenta dos republicanos, que Preston trata de lembrar. Como o conde Gonzalo de Aguilera, que durante a guerra declarou a um jornal americano: «Tenemos que matar, matar, sabe usted? Son como animales, sabe? Y no cabe esperar que se libren del virus del bolchevismo. Al fin y al cabo, ratas y piojos son los portadores de la peste. Ahora espero que comprenda usted qué es lo que entendemos por regeneración de España… Nuestro programa consiste… en exterminar un tercio de la población masculina de España. Con eso se limpiaría el país y nos desharíamos del proletariado. Además también es conveniente desde el punto de vista económico. No volverá a haber desempleo en España, se da cuenta?»
Ora foi por ter querido ajustar historicamente contas com os crimes e os criminosos da Guerra Civil e do franquismo, e indiretamente com os seus atuais seguidores ou encobridores, que Baltasar Garzón se viu levado à barra dos tribunais por organizações de extrema-direita e agora foi expulso da carreira judicial. Independentemente dos ardis processuais, sempre complexos e fáceis de desvitalizar no plano político, é bom que se saiba o que está verdadeiramente em causa no lado espanhol do caso Garzón. Este El Holocausto Español pode ajudar-nos bastante nesse esforço.
Paul Preston, El Holocausto Español. Odio y exterminio en la Guerra Civil y despues. Debate Editorial. 860 págs.