Em Homage to Catalonia, publicado em 1938 na ressaca da presença combatente na Espanha da Guerra Civil, George Orwell sublinhava que o que atrai as pessoas comuns, ou pelo menos muitas delas, para o socialismo, e «as deixa dispostas a arriscar a pele por ele», é a ideia de igualdade. Até há pouco diríamos que a hipótese de arriscar a pele por uma causa corresponderia, nesta Europa descrente mas em aparente expansão que saiu do termo da Guerra Fria, a um círculo muito restrito de combates e de lugares, marcados por um extremismo socialmente isolado ou pelo regresso do nacionalismo. A reinstalação da desigualdade à qual assistimos nos últimos tempos pode, porém, inverter rapidamente esta situação: perante o colapso dos mercados, do capitalismo e da democracia parlamentar tal como a conhecemos, o retorno da política dos extremos pode conduzir à reemergência dessa atitude-limite que transforma uma causa no sentido de uma vida vivida no fio da navalha. Como escreveu Tony Judt num dos seus derradeiros livros, «sociedades grotescamente desiguais também são sociedades instáveis», dividindo-se através de conflitos internos, cada vez maiores e mais insanáveis, que terminam geralmente «com desfechos não democráticos».
É por isso responsabilidade de quem se proclama democrata, ou, mais, socialista e/ou social-democrata – na aceção original do conceito – lutar pela igualdade, ou, pelo menos, impedir que as desigualdades se acentuem. Esse deveria, pois, ser um imperativo da Internacional Socialista e dos partidos que a integram, pela tradição histórica e pela especificidade política e sociológica que incorporam, pelo papel que deveriam desempenhar como instrumentos da resistência à selvajaria neoliberal. Mas não: na crise atual, num contesto de agravamento das condições de vida da esmagadora maioria da população da Europa, parte da qual formalmente representa nos parlamentos, a IS e os seus partidos calam-se, ou apenas balbuciam frases vulgares, mostrando-se incapazes de propor como meta e princípio de governo a defesa de uma ideia de igualdade que é a única capaz de impedir a eclosão do conflito e do extremismo que o desespero acabarão por impor.
No pequeno mas importante livro que acaba de publicar (A Crise da Esquerda Europeia, da D. Quixote), Alfredo Barroso coloca o dedo na ferida: «como explicar que o evidente fracasso do neoliberalismo – que vem desencadeando, desde há uma década, crises económicas e financeiras cada vez mais graves – não tenha provocado uma forte reação política e um sobressalto ideológico dos partidos da esquerda europeia que alternam no poder com partidos de direita?» Estarão todos à espera, provavelmente, da hipotética asa protetora gaulesa de François Hollande para saírem à liça. Fraca e pusilâmine gente sem coragem para erguer a cabeça, levantar a voz e voar pelos próprios meios, esta da catatónica IS, presidida, neste momento, pelo infeliz e desacreditado George Papandreou. O que esperar, pois, de quem não sabe falar de esperança?