Não fazendo parte do seu núcleo impulsionador e redator, fui dos primeiros signatários do «Manifesto para uma Esquerda mais livre». Neste momento, o número de pessoas que assinaram o documento, muitas delas de trajeto e méritos publicamente reconhecidos, já vai em cerca de duas mil e continua a aumentar. A sua localização política é muito plural e a leitura que cada uma delas faz do documento será, por isso, com toda a certeza muito diferenciada. É natural que assim aconteça, dado não se tratar de um programa partidário, de uma plataforma eleitoral ou de um plano para a tomada do poder, mas antes de um conjunto de princípios maleáveis, razoavelmente consensuais para diversas áreas da esquerda não dogmática, destinados – é essa a minha leitura, e foi nessa perspetiva que assinei – a colaborar na procura de estratégias de aproximação e de renovação para uma esquerda dividida. Uma esquerda demasiadas vezes entrincheirada nas suas diferenças e absolutas certezas, como tal sem hipóteses de enfrentar com êxito uma direita que sabe unir-se e incapaz de aplicar a estratégia de mudança que a atual situação do país e da Europa requer. É o princípio de algo, não se saberá ainda bem do quê. Mas em relação a uma coisa podemos desde já ficar com alguma segurança: não servirá para dividir, mas sim para unir, como não servirá para enquadrar, mas para pensar. E não é «contra os partidos», embora admita que estes por si só não bastem para abrir os caminhos da mudança.
O mais curioso para quem sofra de alguma ingenuidade política é que entretanto, e apesar de tão amplo naquilo que proclama, o Manifesto começou já, principalmente em alguns blogues e nas redes sociais, a ser alvo de ataque e detração. Porque é fulano ou beltrana que «estão por trás» (em alguns dos casos nem é verdade, e além disso cada um pensa por si), porque é «muito verde e fresco» e o logótipo não comporta os símbolos tradicionais do trabalho, porque é coisa de intelectuais desligados das massas, porque os seus promotores se propõem «promover um capitalismo que funcione em benefício de todos». São estes os «argumentos» mais simples, em relação aos quais não vale a pena qualquer trabalho de refutação. Mas existem objetivos expressos que levantam possibilidades insuportáveis e contranatura para alguma esquerda. Mesmo quando esta proclama, em decisões políticas, a necessidade de unir, de incorporar independentes, de agregar «democratas e outros patriotas» sem partido. Porque propor a construção de uma esquerda plural, «liberta das suas rivalidades, do sectarismo e do feudalismo político que a paralisa» impõe contornar aqueles que os alimentam constantemente. Porque falar de «uma democracia mais representativa e mais participada» sugere a necessidade de ver a política para além das dinâmicas eleitorais e da luta de rua, embora em conjugação com elas. Porque falar de «uma Europa apoiada na solidariedade e na coesão dos países que a formam» torna necessária a superação das estratégias isolacionistas e nacionalistas que têm paralisado. Porque propor um «alto nível de desenvolvimento económico, social e ambiental» contesta a velha política da terra queimada. E principalmente porque este Manifesto exclui a possibilidade de uma corrente hegemónica ditar às outras – na teoria ou na prática – o caminho partilhado a seguir. Abre o campo, em vez de cavar trincheiras. Não pretende unir, mas aproximar.
Estas reações estão afinal na natureza das coisas e é precisamente por elas existirem e se mostrarem à primeira oportunidade que este «Manifesto para uma Esquerda mais livre», aberto à participação e em desenvolvimento, faz todo o sentido e parece ter boas razões para meter os pés ao caminho.