Em As Cidades Invisíveis, Italo Calvino menciona as duas únicas maneiras de se chegar a Despina – «de navio ou de camelo», esclarece – acrescentando que a simulada urbe se revela diferente «a quem vem por terra e a quem vem por mar». Distingue assim a forma múltipla de ler a cidade, aquela cidade e todas as cidades, consoante se privilegiem determinados aspetos: o modo de aceder à malha urbana, o sentido dos percursos contornando as ruas e os edifícios, as divergentes invocações da memória, o movimento perpétuo dos que a habitam, a própria distribuição dos fragores e dos silêncios. Schuiten e Peeters, autores de banda desenhada, traçaram mesmo, em O Arquivista, a figura do urbateto, o criador integral de cidades, capaz de projetar desde a ideia da sua existência à configuração infinita dos trajetos e dos enredos. Todos possuímos algum desse engenho: podemos escolher as vias, circular pelos lugares reinventando-os à nossa maneira, produzindo os nossos mapas, reduzindo o impacte da imagem dominante e apriorística, a «cidade real» que nos é imposta como os muros de uma prisão.