Há cerca de dez anos traduzi um pouco de Rimbaud para uma publicação da qual perdi o único exemplar que me foi enviado. Reencontrei agora parte desse trabalho que julgara perdido.
A mim. A história de mais uma das minhas loucuras.
De há muito que me vanglorio de
possuir todas as paisagens possíveis e que acho ridículas
as celebridades da pintura e da poesia moderna.
Amei pinturas idiotas, vãos de portas, bugigangas,
panos de saltimbancos, estandartes, estampas baratas,
literatura fora de moda, latim eclesiástico,
livros eróticos sem caligrafia, romances antigos,
contos de fadas, contos para crianças, velhas óperas,
refrões ingénuos, ritmos simplicíssimos.
Sonhei com cruzadas,
com viagens de descobrimento das quais não existiam relatos,
repúblicas sem histórias, guerras de religião sufocadas,
revoluções de costumes, movimentos de raças e de continentes:
acreditei pois em todas as magias.
Inventei a cor das vogais! – A negro, E branco,
I vermelho, O azul, U verde
Determinei a forma e o movimento de cada consoante,
e, com ritmos instintivos,
procurei inventar um verbo poético acessível, custe o que custar,
a todos os sentidos. Guardei a tradução.
Era acima de tudo um esboço. Escrevi os silêncios,
as noites. Anotei o indizível. Fixei vertigens
Arthur Rimbaud – Alchimie du Verbe (Trad. de Rui Bebiano)