Uma das formas de desrespeito pelos direitos dos outros – e também de aviltamento da condição humana – passa pelo uso seletivo, contra alguém ou contra grupos, de insinuações, meias-verdades ou completas mentiras. Pode ser que quem o faça consiga os seus intentos imediatos, mas não ganha com isso, com toda a certeza, a consideração de quem se apercebe de tais estratagemas. Eis uma «lei universal» que a todos se aplica: não é possível respeitar quem, para obter vitórias fáceis e rápidas, ou para depreciar publicamente alguém, recorra à mentira ou à manipulação das palavras. Fazê-lo é, entre outras coisas, sinónimo de falta de transparência e de caráter. As duas ou três pessoas com quem nesta vida me incompatibilizei, justificaram a minha atitude justamente pelo uso reprovável da manipulação, da mentira, da depreciação de outros. Distorcendo as suas palavras ou fazendo eco, sabendo o que faziam, de calúnias produzidas por terceiros. Produzindo pravda, «verdade revolucionária», em vez de verdade.
Por isso, e apesar de Zita Seabra ser pessoa com um trajeto de vida e uma atitude política da qual desde sempre me distanciei de todo, não posso aceitar a manipulação das suas palavras, supostamente ditas ontem em entrevista à SIC. Sim, Zita falou de algo já sobejamente conhecido – a injeção de capitais da ex-RDA, via PCP, em empresas como a Heska (tipografia e litografia) e a FNAC (ar condicionado) – referindo que esta última empresa vendia aparelhos a «tudo o que eram ministérios, sítios nevrálgicos e órgãos de poder». Mas não disse coisíssima alguma a respeito de microfones escondidos. Essa foi uma insinuação de Mário Crespo, o entrevistador, que insistiu na suspeição até que a entrevistada deixou cair uma expressão que pode ser vagamente interpretada como cúmplice. «Para espiar», sublinhe-se, foram palavras introduzidas hoje pela imprensa. Na realidade, o uso desavergonhado da mentira apenas pode servir uma satisfação pequenina e passageira. Não informa ou esclarece, apenas produz ruído e desvia as atenções do que é importante. Talvez seja esta, afinal, a intenção de quem começou agora, ampliando-o de maneira desproporcionada e apontando ao alvo errado, a aproveitar-se deste «caso» tolo e anacrónico.
Adenda – Alterei ligeiramente o segundo parágrafo texto para esclarecer uma realidade: Zita Seabra não disse o que dizem que disse, mas também não desmentiu aquilo que Mário Crespo insinuou a partir das suas palavras. Coisas da silly season…