Após o 25 de Abril, a extensão da liberdade de expressão e o desenvolvimento do sistema multipartidário alimentaram em Portugal uma forte aproximação entre as diversas instâncias do poder e a vida dos jornais. Políticos e jornalistas compreenderam rapidamente que a sua atividade e os seus destinos se encontravam agora unidos: os partidos e as instituições democráticas precisavam da comunicação social para se relacionarem de forma mais direta e eficaz com aqueles que formalmente representavam, enquanto esta encontrava na divulgação da atualidade política um motivo de interesse para fidelizar os diferentes públicos. Todavia, o processo não foi linear, tendo-se em alguns momentos produzido a relação de promiscuidade entre os dois universos que ainda persiste. Neste cenário, o pior que pode acontecer, para a saúde da democracia, mas também para a vitalidade da informação, é esse relacionamento não ser observado de uma forma crítica e contextualizada. É por isso de grande interesse e proveito a leitura de Apogeu, Morte e Ressurreição da Política nos Jornais Portugueses, da jornalista, investigadora e professora Carla Baptista.
Propõe um périplo por três tempos da história portuguesa anteriores a 1974 que ajuda a compreender o modo como aqui chegámos, mostrando ao mesmo tempo que não é nova a confusão entre as duas áreas. O primeiro, tratado de maneira bastante mais breve que os restantes (infelizmente, pois é bastante saboroso), começa na altura do rotativismo partidário que dominou os finais da monarquia e estende-se até ao termo da Primeira República. É apresentado como «apogeu» do relacionamento próximo entre a atividade política e os jornais, e documenta um tempo que foi simultaneamente o da definição da autonomia da atividade jornalística e o da dependência da maioria das publicações dos estreitos mas influentes círculos partidários. O segundo tempo, o da «morte» da política, acompanha a afirmação e a manutenção da natureza autoritária, aparentemente monolítica, do Estado Novo, supondo a neutralização, pelo salazarismo, não só da liberdade de opinião aplicada à informação jornalística mas ainda do destaque da política como fator relevante e decisivo na vida dos jornais. O terceiro momento, o da «ressurreição», corresponde à experiência breve mas intensa do chamado marcelismo, e traduziu, nos últimos anos do regime, uma reavaliação da imprensa como fator de veiculação da mensagem política, assim como uma diversificação da opinião imposta por novas dinâmicas sociais e por uma lógica de mudança desencadeada dentro da própria máquina do Estado.
Para este período é, aliás, proposto um conjunto de estudos de caso, aplicados às transformações ocorridas nos jornais, com um particular destaque para o do semanário Expresso, que confirmam esse retorno da política. Entretanto, neste livro Carla Baptista não abordou a crónica política, tal como o título da obra poderá erroneamente sugerir-nos. Na lógica do objeto científico que se propôs aproximar, dado tratar-se de trabalho inicialmente concebido como uma tese de doutoramento, recorre a um estudo das orientações tomadas e dos modos utilizados pelo poder para se relacionar com a atividade dos jornais de maior impacto público, propondo ampliar o conhecimento histórico «das condições de emergência, construção e transformação do profissionalismo jornalístico». Seguindo a sua proposta, importa reconhecer a importância desse conhecimento «para entendermos muitos dos dilemas e dificuldades que o jornalismo atravessa no presente».
Carla Batista, Apogeu, Morte e Ressurreição da Política nos Jornais Portugueses. Do Século XIX ao Marcelismo. Escritório Editora.472 págs. Versão revista de nota saída na LER de Julho-Agosto.