Segundo o Público, os organismos de veteranos que tutelam a praxe de oito academias – Évora, Porto, Aveiro, Minho, Beira Interior, Trás-os-Montes e Alto Douro, Leiria e Coimbra – vão reunir-se no início de Setembro «para defenderem as tradições académicas», isto é, as praxes, procurando criar um regulamento geral capaz «de separar muito bem o que é a praxe e o que não é». O objetivo último da iniciativa, declaram alguns dos que a preparam, é conter os abusos, impedindo «barbaridades» e estimulando «o respeito». De acordo com o responsável de um desses organismos, tal respeito será necessariamente «dos mais novos em relação aos mais velhos, mas também dos mais velhos em relação aos mais novos». As regras não colidirão com os vários códigos da praxe, destinando-se apenas a impedir os excessos e o enviesamento dos objetivos corporativos que visam essas práticas «tradicionais» e datadas.
À primeira vista, a ideia de um regulamento geral parece aceitável e pode ter alguns efeitos positivos, inibindo os abusos físicos mais violentos, as humilhações mais brutais e a atuação indiscriminada dos energúmenos travestidos de estudante, mas não só a sua eficácia é duvidosa como a sua validade é bastante questionável. A eficácia é duvidosa porque os organismos de veteranos não têm, nem podem ter, uma vez que não são unidades de polícia nem se substituem aos tribunais, capacidade e legitimidade para controlar os espaços nos quais se levam a cabo as várias praxes, cada vez mais disseminados e menos confinados a horas e a dias bem determinados, como acontecia no passado. Já a validade é questionável porque esta atitude supõe o conjunto da praxe como um dado adquirido, como uma rotina inerente à normalidade da vida académica, quando na realidade se trata de um costume contextualizado no plano histórico, político e social, mostrando-se muitas vezes caduco, inadequado ou mutante.
Por sua vez, a noção de «respeito» evocada pode sempre ser posta em causa, pois implica a aceitação de um corpo de práticas inevitavelmente impostas sob coação – mesmo que esta não seja física e se exerça em nome da «integração» ou do «costume» – e destinadas a determinar a codificação da desigualdade e a normalidade do autoritarismo. A desigualdade e o autoritarismo constituem, de facto, a essência sociológica das praxes, e tal nada tem a ver com uma noção abstrata, pura, intocável, de respeito. Tem a ver com coação e com medo (com os «perfilados do medo», de que falava Alexandre O’Neill). Tem a ver com um «fascismo mudo», invisível na aparência, embora apresentado como normal, inofensivo e «divertido». Integrador, sim, mas numa ordem social injusta, que apenas respeita os seus próprios valores e a sua profunda desumanidade. Que abomina a liberdade individual.