Não representa uma vantagem, mas sim um problema e um péssimo sintoma. Pode também ser um ponto de viragem para indispensáveis mudanças de atitude. Torna-se evidente que uma boa parte da dimensão e do êxito das manifestações anti-troika e anti-governo de 15 de Setembro se ficou a dever – para além, claro, da revolta genuína, profunda, dos cidadãos espoliados e ofendidos – ao seu caráter apartidário. A necessidade e a unidade na ação produziram então o necessário para que as bocas se abrissem: uma conjugação de vontades, fundadas em alguns objetivos elementares e comuns, que não se acharam submetidas a figuras tutelares, a discursos estereotipados, a «serviços de ordem» ou a previsíveis aproveitamentos. Essa foi a vantagem.
Já o problema começa quando o caráter apartidário degenera em sentimento antipartidário, e nada garante que a linha separadora das duas dimensões não tenha sido já transposta. Tanto no que diz respeito aos partidos do governo, quanto no que concerne àqueles que formalmente se lhe opõem. Chegamos então à perceção de que este pode ser o perigoso sintoma de uma certa rejeição da democracia representativa de base partidária tal como esta se encontra desenhada na Constituição, o que pode antecipar uma arriscada vertigem de caráter messiânico ou autoritário. Aguarda-se por isso que aquilo que aconteceu suscite, quanto mais não seja por efeito do instinto de sobrevivência, uma reflexão dentro dos próprios partidos. E que preludie uma reconfiguração do nosso mapa político e partidário, com a emergência de novas formas de organização, de ação, de discurso e de representação política. A esperança que nos alimenta reclama esta possibilidade.
Fotografia retirada do blogue Denuncia Coimbrã.