Do conto «Só para fumadores», retirado da coletânea A Palavra do Mudo, publicada em 1965 pelo peruano Julio Ramón Ribeyro (Ed. Ahab), eis três parágrafos por onde perpassa um certo preconceito e um velho estereótipo, construídos a propósito da Alemanha e dos alemães, que as presentes circunstâncias partilhadas pelos europeus têm ajudado a recuperar.
Os vaivéns da vida continuaram a levar-me de país em país, mas sobretudo de marca de cigarro em marca de cigarro. Amesterdão e os Muratti com uma fina boquilha dourada; Antuérpia e os Belga de maço vermelho com um círculo amarelo; Londres, onde tentei fumar cachimbo mas depois desisti porque me pareceu demasiado complicado e porque me dei conta de que não era nem o Sherlock Holmes, nem um marinheiro, nem inglês… Finalmente Munique, onde, apesar de não ter concluído o meu doutoramento em Filologia Românica, me especializei como perito em cigarros teutónicos que, dizendo-o cruamente, me pareceram medíocres e sem estilo. Mas se menciono Munique não é pela qualidade do seu tabaco, e sim porque cometi um erro de julgamento que me deixou numa situação de carência desesperada, comparável aos piores momentos do meu ciclo parisiense.
Eu gozava, naquela altura, de uma bolsa de estudos modesta, mas que me permitia comprar todos os dias o meu maço de Rothaendhel num quiosque de rua, antes de apanhar o elétrico que me deixava na universidade. Tratava-se de um comportamento que, à força da repetição, criara entre mim e a velha Frau do quiosque uma relação simpática, acima – julgava eu – de qualquer interesse comercial. Mas, após dois ou três meses de uma vida rotineira e poupada, espatifei a totalidade da bolsa num gira-discos portátil, pois tinha começado um romance e achei que precisava, para o levar a bom termo, de música de fundo ou de uma cortina sonora que me protegesse de ruídos exteriores. Consegui a música e também a cortina, e assim pude avançar no meu romance, mas ao fim de poucos dias fiquei sem cigarros e sem dinheiro para os comprar. Como «escrever é um ato complementar do prazer de fumar», vi-me numa situação em que não conseguia escrever, por mais música de fundo que tivesse.
Pareceu-me então natural passar pelo quiosque e invocar a minha condição de cliente habitual para que me vendessem um maço de cigarros a crédito. Foi o que fiz, alegando que me tinha esquecido do porta-moedas e que pagaria no dia seguinte. Estava tão confiante na legitimidade do meu pedido que estendi a mão candidamente, à espera do maço. Mas no mesmo instante tive de a retirar, porque a Frau fechou de repelão a janelinha do quiosque, ficando a olhar-me por trás do vidro, não só escandalizada, mas tolhida de medo. Só nesse momento me dei conta do erro que tinha cometido: acreditar que estava em Espanha quando estava na Alemanha. Este país próspero era na realidade um país atrasado e sem imaginação, incapaz de criar instituições de auxílio baseadas na confiança e na convivialidade, como é a instituição do fiado. Para a Frau do quiosque, um indivíduo que pedia algo para pagar no dia seguinte só podia ser um vigarista, um delinquente ou um transviado disposto a assassiná-la, se necessário.