A primeira parte deste Mulheres de Armas foi escrita por Isabel do Carmo, ex-dirigente das Brigadas Revolucionárias, a organização fundada em 1970 por militantes saídos do PCP e outros antifascistas com o objetivo de sabotar o aparelho militar ao serviço da Guerra Colonial e, a partir de 1973 em conjugação com o Partido Revolucionário do Proletariado, de impor pela via das armas uma revolução socialista. A antiga militante revolucionária evoca nestas páginas os momentos fundamentais da história das Brigadas no que respeita à participação ativa de mulheres no seu lançamento e nas ações de combate que a organização protagonizou, como assaltos a bancos para recolha de fundos, sabotagens de instalações militares ou iniciativas de propaganda que incluíram o rebentamento de petardos. Ressalvando pormenores de natureza autobiográfica, alguns deles pitorescos, nesta longa introdução aquilo que sobressai não é a exposição de informação totalmente desconhecida, mas a manifestação do papel destacado de muitas mulheres, único então nas fileiras da Oposição, em iniciativas de primeira linha no campo da ação armada.
Segue-se a este longo prefácio a obra propriamente dita, da autoria da jornalista Isabel Lindim, filha de Isabel do Carmo e, por isso, desde muito cedo pessoa próxima do território peculiar da resistência ao Estado Novo aqui reportado. Integra principalmente um conjunto de histórias de mulheres combatentes que se dispuseram a falar sobre a sua participação direta nas ações das Brigadas. Seis desses relatos surgem destacados – três deles sob anonimato, por vontade das protagonistas – e abordam a experiência de militantes que deram corpo a algumas das ações mais arrojadas que a organização levou a cabo. Completam estas descrições mais algumas notas biográficas sobre outras mulheres que, no interior ou no exterior do país, integraram as Brigadas em tarefas, importantes para a sua missão, de apoio logístico, transporte de material e pequenos furtos.
Entretanto, a leitura transporta-nos para um universo contraditório no que respeita ao papel das mulheres na luta contra o Estado Novo. Por um lado, sabendo-se como nas fileiras da Oposição se manteve, mesmo entre os comunistas e a extrema-esquerda, uma certa subalternização política das mulheres, cuja identidade excluía a especificidade da sua condição e do seu combate pela emancipação, remetendo-as em regra para o papel mais passivo de «companheiras», de retaguarda segura de uma ação dominada por homens, é notável o destaque que estas militantes das Brigadas tiveram em iniciativas de elevado risco e responsabilidade. Porém, na maioria dos relatos o grau de impreparação política e a forma estritamente voluntarista como algumas delas desempenharam o seu papel no combate revolucionário acaba por conferir-lhes uma dimensão de subalternidade política, e também pessoal, que por vezes se revela um pouco crua. Alguns dos posteriores trajetos de vida, aqui relatados, sublinham-no com clareza. Mas talvez por isso, e por estas mulheres não se encontrarem aqui associadas a uma imagem própria de santas ou de heroínas, ou a formas de protagonismo político assumidas após a queda do regime, estas histórias se revelem particularmente úteis e por vezes emocionantes. Justificando o reconhecimento público e a merecida atenção da história.
Isabel Lindim, Mulheres de Armas. Histórias das Brigadas Revolucionárias. Introdução de Isabel do Carmo. Objectiva. 262 págs. Nota saída na LER de Setembro.