Sendo um francoatirador de esquerda, nunca deixei de me preocupar com os destinos do mundo e o combate constante e solidário por uma justiça que evito adjetivar. Foi uma vocação precoce que espero manter enquanto souber fazê-lo. Por isso sempre procurei combinar o interesse pelas coisas belas e reconfortantes do mundo – uma música exaltante, um livro que nos desafia, um poema que canta, uma mulher bonita, um rio selvagem, uma nuvem carregada que anuncia o outono – com uma noção de compromisso que, com Camus, associo sempre às escolhas que todos os dias nos vemos condenados a fazer. Nesta medida, sempre afastei, por vezes até com alguma repulsa, a proximidade dos que apenas olham uma flor, ou só se vêm ao espelho, enquanto desviam o olhar e o corpo do sofrimento dos outros, do ódio e da opressão que fazem parte da vida, tentando simular que eles não existem. Aborrece-me muito, por vezes de morte, quem fala apenas de política, mas incomoda-me quem se recusa a olhá-la. Uma e outra posição marcadas, no fundo, por uma falta de humanidade que elide a complexidade das coisas e das pessoas, reduzindo-a, obsessivamente, apenas a um dos seus lados.
Admito, no entanto, que esta atitude deva sempre ser assumida em contexto: por isso, neste momento particular de crise e amargor, preocupo-me mais com o social e entendo melhor que outros o façam com maior insistência. E nestas condições, no meio da parafernália de afirmações, convocatórias e palavras de ordem que invadem o meu presente presente (e o meu mural do Facebook), já senti como quase obscena a enunciação de um poema, a reprodução de uma fotografia, o eco de uma canção, que funcionam como mensagens de puro encanto, de felicidade sem nome ou de busca do sublime. Não podemos, no entanto, aceitar que este preconceito nos tolha. É essa, afinal, a intenção de quem impõe aos outros a lógica letal da infelicidade: torná-los tão infelizes, monocórdicos, repetitivos, obsessivos, que perdem de vista a beleza das coisas e se tornam mais pequenos, mais submissos. Permitindo que a ideia de felicidade se dilua e se perca no meio da ira, do sectarismo e da estrita obediência à ditadura do imediato. Combinar a beleza da criação e da contemplação, por um lado, com o empenho solidário na mudança do mundo, por outro, só se consegue através de uma luta dura, diária, na qual temos de nos esforçar por derrotar o mal e, pelo meio, não perder a humanidade.