É verdade que pouco ou nada podemos fazer, uma vez que não votamos nas presidenciais norte-americanas nem temos a possibilidade de influenciar os eleitores. Mas se nos deixarmos submergir nos nossos graves e constantes problemas, tornando-nos indiferentes às eleições que terão lugar neste 6 de Novembro, ou, pior, aceitando a ideia absurda e insana segundo a qual democratas e republicanos, Obama e Romney, são dois lados idênticos de uma mesma moeda, ficaremos incapacitados para compreender aquilo que aí pode vir. Para quem ainda tenha dúvidas, transcrevo um passo de uma crónica de Miguel Sousa Tavares publicada no Expresso de 8 de Setembro passado.
«Se a dupla Romney/Ryan ganhar a eleição para a Casa Branca em Novembro próximo, vamos ter de repensar o mundo como se estivéssemos nos primórdios do século XX. Eles defendem que a «violação legítima» não deve dar direito a abortar, assim como o incesto ou a malformação do feto também não darão; eles defendem que só os maiores de 68 anos, doentes, têm direito a ser tratados pelo Estado, gratuitamente; eles defendem que a taxa máxima de IRS deve baixar de 35 para 26% e que, a partir de rendimentos de 200.000 dólares anuais, a taxa deve ser zero; eles defendem o abandono da investigação e investimento nas energias limpas e a aposta na intensificação da exploração de petróleo, no Alasca, no off-shore e em qualquer zona protegida, acompanhada de incentivos fiscais às petrolíferas (o mesmo que o nosso Álvaro Pereira, que sepultou a indústria das energias alternativas em troca de apostar nos poços de petróleo nas traseiras do Mosteiro de Alcobaça); eles defendem a perseguição aos imigrantes, o fim do seguro de saúde público (o «Obamacare»), o fim das bolsas de estudo para os jovens sem dinheiro para estudar, a desregulamentação total do sistema financeiro e da grande indústria, o direito inalienável de todos os cidadãos andarem armados e dispararem livremente, a proclamação da capital de Israel em Jerusalém, o reforço das despesas militares, e, de um modo geral, a guerra aos árabes, russos, chineses e pretos. Eles acreditam em Deus e prometem governar em seu nome, com um programa de terrorismo social e de deboche económico que vai fazer do idiota do George W. Bush um gajo porreiro.
Esta pobre gente americana, formada politicamente nos chás da Tupperware e nas missas dominicais dos pregadores locais, é o que poderemos ter, nos próximos anos, entre nós, os europeus, e os chineses, se eles ganharem as eleições de Novembro. Os mesmos, os mesmíssimos imbecis que fizeram implodir a economia mundial em nome da livre iniciativa, propõem-se resgatá-la com as mesmas receitas levadas ao extremo de um auto-da-fé — e metade dos americanos acredita neles. Como é que a América chegou aqui? E como é que nós vamos atrás?»