Sob a pressão dos muitos milhares de manifestantes da antiga RDA que exigiam nas ruas e praças do país democracia, liberdade e pares de jeans, o Muro de Berlim caiu na noite de 9 de novembro de 1989. O episódio representa, a par das passadas de Neil Armstrong na Lua e do derrube das Torres Gémeas, um dos três acontecimentos a que assisti e de que tenho memória nos quais tive a imediata perceção de viver em direto um «momento histórico». A Queda do Muro teve aliás um impacto brutal em quem, por essa época, tinha passado alguns anos no clima pantanoso e sombrio da Guerra Fria. No que me diz respeito, a intervenção da propaganda – associada a um visionamento talvez demasiado precoce de Cortina Rasgada, de Alfred Hitchcok – levara-me em criança a imaginar que a Cortina de Ferro era mesmo uma pesada rede metálica, eletrificada, impenetrável e letal, separando para sempre o Bem do Mal em dois mundos antagónicos. E ainda em 1975, no contacto breve mantido por motivos fortuitos com dois cidadãos soviéticos, tive a estranha sensação de lidar na Quinta Dimensão com uma parelha de perigosos alienígenas. Mais do que uma alteração do equilíbrio do mundo, da qual continuamos a sofrer as fortes e imprevisíveis ondas de choque, foi pois uma mudança radical na perceção que então era possível ter desse mundo que a Queda do Muro começou por impor. E é principalmente a memória desse espanto de ver a vida toda a mudar em poucas horas que permanece em quem passou, incrédulo e sem conseguir dormir, essa intensa noite berlinense pregado ao televisor. Foi há 23 anos.