Os seis ensaios que este livro de Susan Sontag foram publicados entre 1973 e 1977 na New York Review of Books, e logo de seguida editados em conjunto, rapidamente convertidos em clássicos dos estudos sobre a semiótica da fotografia. Passando quase incólumes pelas últimas décadas, abordam um assunto – o lugar central que a fotografia detém na cultura contemporânea – que não só permanece inteiramente atual, como tem sido reforçado até no seu interesse devido aos progressos ocorridos entretanto no domínio da captação, da reprodução e da disseminação da imagem. Como seria de esperar pelo seu entendimento do papel da crítica, Sontag excluiu de todo uma observação estritamente técnica da prática fotográfica, que pudesse desligá-la do quadro social dentro do qual é produzida e consumida. Abrangentes e reflexivas, as observações que vai propondo dialogam constantemente, de um modo erudito e sedutor, com a filosofia, a sociologia, a história, a estética e a pintura, partindo sempre do princípio segundo o qual, atualmente, «tudo existe para terminar numa fotografia».
No primeiro ensaio, «Na Caverna de Platão», Sontag recorre à poderosa metáfora proposta pelo filósofo para equacionar, contra as leituras ingénuas da fotografia como reprodução da realidade, a relação entre imagem e verdade, sublinhando a distância crescente entre ambas que a técnica fotográfica crescentemente impõe. Quase trinta anos depois, em 2002, nas condições de uma extensão do papel do suporte entretanto determinada pela surgimento da rede mundial de computadores e pela generalização do digital, Sontag retomará aliás, em Olhando o Sofrimento dos Outros (Gótica), os argumentos invocados nestes Ensaios, enfatizando a ideia de que em múltiplas situações as imagens, como mero reflexo sujeito a múltiplas leituras, podem até provocar fraturas sociais, incitar à violência ou, por um efeito de banalização e de diluição num mero voyeurismo, gerar apatia. Mas já aqui lembrava, de forma atenta, apesar de pessimista, que «há uma agressão implícita sempre que se usa uma câmara», pois, ao fixar imagens ocasionais apresentadas como reproduções idealizadas do «real», a fotografia tende a distanciar quem a observa de uma participação na mudança da realidade objetiva. Como uma arte emocionante mas perigosa, dado que «a realidade, como tal, é redefinida pela fotografia».
Nesta linha, no ensaio seguinte, sobre a história da fotografia americana em associação com uma certa fantasia da América, recorreu às imagens produzidas por Diane Arbus e Andy Wahrol para observar de que modo, aplicando um certo processo de «estranhamento», os americanos foram alterando o retrato de si próprios. Já em «Objetos Melancólicos» revelou o modo como, confrontando-nos com a impossibilidade de conhecer o mundo, a técnica fotográfica nos incita a colecionar os reflexos dos seus fragmentos que conseguimos ir reunindo. E em «O Mundo das Imagens» sugeriu a aplicação ao universo fotográfico de uma «ordem moral do espaço» capaz de contrariar a forma como o universo do consumo dele se vinha apropriando. Entre outros processos de abordagem que permitem ao conjunto deste livro permanecer como um inquietante alerta, mas também como um instrumento de prazer.
Susan Sontag, Ensaios sobre fotografia. Trad. de José Afonso Furtado. Quetzal. 206 págs. Versão revista de nota saída na LER de Dezembro de 2012.