A historiografia que se ocupa da fase final do Estado Novo tem enfatizado, entre as condições que conduziram à queda do regime, os fatores políticos, militares, diplomáticos, económicos e sociológicos que foram limitando a sua capacidade para se renovar ou mesmo para se manter de pé. Tem sido destacado, com toda a justeza, o papel das oposições organizadas na construção do espaço de resistência e favorável à sublevação que tornou possível, ou inevitável, o 25 de Abril. O que raras vezes tem sido mostrado é que essa dinâmica de mudança teve uma outra componente, ao mesmo tempo subterrânea e aparatosa, traduzida na importação de valores e de hábitos internacionais, já em curso nos países industrializados, na afirmação da uma nova cultura juvenil e na introdução de práticas de consumo capazes de abalar a fortaleza política e moral que, desde a sua já distante génese, o salazarismo e a propaganda do regime tinha procurado defender e apresentar como modelar.
Centrado nas transformações ocorridas ao longo dos anos 60 na vida lisboeta e nas representações que desta recolhia o país, LX 60, um volume graficamente exuberante à maneira sixtie, combina texto evocativo e imagem documental numa tentativa de compreender e de mostrar, centrada na dimensão do quotidiano, uma realidade em transformação. Fazendo emergir «uma nova era» num processo em boa parte paralelo ao dos acontecimentos com uma dimensão mais objetivamente política e factual. Da moda «democratizada» à cançoneta popular, dos primórdios do rock ao impacto do teatro de revista, da emergência do consumismo ao levantamento de uma nova imprensa, do futebol internacional às corridas de automóveis, da maior animação noturna à influência crescente da televisão, dos escândalos de sociedade à ampliação da vida de café, da reanimação do universo estudantil a uma maior presença da mulher urbana, da reavivada arquitetura ao lugar central do divertimento, de uma redução do impacto da educação católica ao advento da nova moral sexual, Lisboa é aqui uma cidade que muda e se vai abrindo ao mundo. Com ela mudando e se abrindo também, num ritmo mais lento mas de igual modo irreversível, o próprio país.
Joana Stichini Vilela e Nick Mrozowski, LX 60. Dom Quixote. 290 págs. Versão revista de nota saída na LER de Dezembro de 2012.