A palavra «bárbaro» deriva, como é sabido, do grego βάρβαρος, significando «não grego». Era dessa forma que os antigos helenos classificavam os estrangeiros e todos os povos cuja língua não era a sua. Começou por ser uma alusão aos persas, cujo idioma de toada gutural entendiam como um estranho e indecifrável «bar-bar-bar». Por extensão, também os romanos foram por eles designados como bárbaros. Depois, já sob o Império Romano, a expressão passou a ser utilizada com a conotação de «não-romano» ou de «incivilizado», aplicada em primeiro lugar aos hunos, aos celtas e aos diferentes povos germânicos, cujo comportamento, reputado como brutal e cruel, era inexplicável e totalmente fora dos parâmetros da sua matriz cultural, parecendo bastante ameaçador. A palavra foi-se mantendo entretanto, ao longo dos séculos, no léxico ocidental. Apesar de contestável na sua dimensão etnocêntrica, o seu uso superou em algumas significações este limite, para se vincular negativamente à classificação de todos aqueles que se opunham, recorrendo à violência ou pela força da ignorância, ao que parecia serem as conquistas partilhadas da humanidade. Ajustado, sucessivamente, a todos os que se afastavam de um ideal de paz, de bem-estar, de saber, de liberdade, de igualdade, de proteção dos mais fracos, de supremacia do interesse da comunidade ou coletivo, de defesa do indivíduo frente ao pensamento único e a todas as modalidades de opressão, de desrespeito das minorias, dos excluídos, dos mais pobres e mais fracos.
É no entanto verdade que barbárie não se opõe totalmente à civilização, como sugeriu há quase cem anos o arqueólogo Gordon Childe, pois tal suporia uma conceção parcial do que é ser-se civilizado. Mas implica, como lembrou Tzvetan Todorov em La Peur des Barbares, um confronto com diferentes «civilizações», no plural, por exprimirem a identidade e a legitimidade de distintas experiências históricas. E supõe também, na nossa linguagem corrente, a possibilidade de um regresso a uma condição não regulada, fundada no direito do mais forte, em vez de uma sociedade harmónica, na qual a primazia do coletivo e do interesse público são fatores prioritários. Por isso, confrontados com a espécie de gente que no nosso país tomou agora conta do poder, gente sem uma noção mínima, aproximada sequer, da luta secular pelos direitos de cidadania, gente sem conhecimentos básicos de história nacional ou comparada, sem uma leitura razoável e filosófica do mundo, sem essa capacidade de equilíbrio que se obtém pela via do conhecimento e da experiência acumulada na vida e numa profissão, gente sem uma noção da ordem social que não passe pela aplicação arbitrária e «amiguista» do poder sob uma capa de democracia, percebemos afinal quanto é ténue e frágil a fronteira que nos separa do retrocesso civilizacional e do abismo da barbárie. Só que, desta vez, os godos barbudos e musculados, com os seus cavalos fedorentos e as suas maças de armas, foram substituídos por viscosos arrivistas, apparatchiki de gravata de seda com nó largo, caneta de marca, discurso fácil e desprovido de ética, ignaros e incapazes de interpretações complexas, mas armados com a autoridade que, ingenuamente, nós próprios lhes outorgámos.