O desaparecimento no passado outubro do historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-2012) teve uma repercussão mediática à escala do impacto do seu trabalho. O longo e ativo trajeto profissional contribuiu em larga medida para o quinhão de reconhecimento que determinou esse eco, mas o que ampliou o reconhecimento público que obteve foi principalmente o facto de, como poucos na sua área, ter contribuído para levar o interesse pela dimensão explicativa da História até um conjunto amplo de colegas de outras áreas de saber, de estudantes de diferentes gerações e de leitores ávidos, que sem a sua ajuda mais dificilmente teriam voltado para aí os seus horizontes. Conseguiu-o através de dois aspetos particulares do seu trabalho: o primeiro foi a multiplicidade dos temas pelos quais se interessou, trazendo para a academia, sem descuidar outros mais canónicos, assuntos até então proscritos, como o papel criador dos bandidos e dos rebeldes, a vida verdadeira «dos de baixo», a formação do universo do jazz, o retorno dos nacionalismos ou os modos de «invenção da tradição»; o segundo aspeto prende-se com o facto de, em A Era dos Extremos, uma das obras mais lidas e recomendadas sobre a história humana recente, ter defrontado as cronologias tradicionais definindo um «breve século XX» balizado, entre 1917 e 1991, pelo impacto mundial da Revolução Soviética, do seu apogeu, estabilização e queda. Ao mesmo tempo, a elevada qualidade da sua capacidade narrativa permitiu-lhe ir conquistando para o território do conhecimento histórico um público não-especializado, motivado acima de tudo pelo prazer da leitura.
As suas escolhas não foram porém imunes à crítica, sendo a muitas vezes destacada aquela que aproximou as suas atitudes políticas das orientações metodológicas. Desde 1931 e até à morte, Hobsbawm foi um obstinado militante comunista, tendo mesmo dito que essa condição retardou o seu reconhecimento universitário, e nunca cultivou uma História assética, pseudo-despolitizada. Esta opção levou-o a manter o marxismo como grelha de leitura do passado e em alguns momentos levou-o também a pactuar com posições dogmáticas e irredutíveis. No entanto, em 2002, já com 85 anos, ao falar numa entrevista ao Observer das longas décadas de militância partidária, reconheceu ter erradamente «mantido silêncio sobre um certo número de coisas» a respeito das quais teria sido razoável não se ter calado. Na mesma entrevista declarou também, ao arrepio de um universo académico habitualmente conservador no plano dos métodos, que a História, enquanto saber, «se encontra hoje a ser reinventada sob múltiplos aspetos», sendo por isso mais importante do que nunca contar com o papel dos historiadores, e sublinhando: «sobretudo com os historiadores céticos». São boas respostas deixadas a quem, contrariando os aplausos, procura ainda minimizar a sua intervenção como historiador e cidadão, acusando-o apenas de um teimoso dogmatismo. Na realidade, lendo a sua extensa obra e o volume autobiográfico que deixou (Tempos Interessantes), é fácil perceber que foram também os riscos e as contradições nos quais se foi envolvendo que tornaram menos previsível o seu trabalho e mais valioso o seu legado. Não imune à parcialidade e à crítica, naturalmente.
Versão revista de uma nota publicada na LER de Novembro de 2012.