No quinto post da série, destaca-se Mille Plateaux – Mil Planaltos, o segundo tomo de Capitalismo e Esquizofrenia, publicado em 1980 pelos filósofos Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guattari (1930-1992).
«Um livro não é feito de objetos ou de assuntos, é feito de matérias diversamente constituídas, de datas e a velocidades muito diferentes.» Gilles Deleuze e Félix Guattari, recusando o modelo tradicional do «livro-raiz», incapaz de comportar a multiplicidade, escreveram em conjunto um livro único, pensado como verdadeira experimentação. Mille Plateaux (Mil Planaltos na edição portuguesa, em tradução discutida) é uma obra concebida de acordo com uma multidão de estratos, de plateaux (tabuleiros? planaltos?), uns ligados aos outros mas sem uma ordem ou hierarquia que lhes atribua um lugar certo. Para Deleuze, este livro foi o termo do seu pensamento antisistemático já desenvolvido em Différence et Répétition (1968) e em Logique du Sens (1969), livros nos quais elaborou as premissas de uma nova metafísica, destinada a promover uma filosofia da multiplicidade contra a dominante filosofia da unidade. Segundo tomo, após L’Anti–Œdipe (1972), de Capitalisme et Schrizophrénie, Mille Plateaux prossegue a procura de um pensamento antiacadémico, liberto de todo o «aparelho do saber». Aspira aliás a dirigir-se aos não-filósofos, a libertar a filosofia da sua própria escola de intimidação, que não admite no seu seio senão os especialistas em determinados textos. O projeto de Deleuze é também o de fundar uma «filosofia pop» que, tal como acontecia com a cultura pop, se dirigiria a um público de massas.
«Esquizoanálise», «diferença e repetição» (ritournelle), «linha de fuga», «rizoma»… a obra fervilha de conceitos tão inéditos quanto desconcertantes. Além disso, é também, e talvez sobretudo, uma obra de crítica política. Contra o dogma do capitalismo que põe o indivíduo no centro da organização social, Deleuze e Guattari desconstroem esta última: ela é múltipla, atravessada por subjetividades partilhadas e em perpétuo movimento. Não existe ponto algum situado no meio, no núcleo, de uma rede, uma vez que esta é um sistema «rizomático», articulando formas diversas, diferentes traços, cada um deles podendo ser ligado a não importa qual dos outros. Extensão biológica de uma planta vivaz, o rizoma não é porém uma raiz. Ele não cresce de baixo para cima, a partir da terra, prolongando-se antes horizontalmente e propagando-se através de linhas que possuem vida própria. O rizoma evoca então o nomadismo original, sendo por isso «desterritorializante». Por tal motivo, escrevem eles, «não existe língua-mãe, mas sim a apropriação do poder por uma língua dominante no contexto de uma multiplicidade política. A língua estabiliza-se então em redor de uma paróquia, de um bispado, de uma capital». Cartografando as «linhas de fuga» sobre as quais as relações sociais são construídas e se recompõem, a obra ataca frontalmente o princípio da arborescência que se encontra no coração da organização burocrática. Todavia, se bem que Mil Planaltos tenha suscitado, na altura do seu aparecimento, o fascínio evidente dos meios libertários e soixante-huitiards, transformou-se hoje, contra ele e apesar dele, em alimento teórico para uma certa literatura de gestão na qual já alguém viu um «novo espírito do capitalismo». Terá cumprido o seu ciclo de vida? Isso já não depende dele, e muito menos dos seus autores. [Tradução e adaptação de um artigo de Louisa Yousfi]