Durante décadas, para milhões de pessoas de diferentes gerações a vida de Walt Disney foi uma história cor-de-rosa editada em capa de seda. Como se o paraíso de sonhos materializado nos vários parques temáticos da Disneylândia fosse uma extensão da personalidade dessa figura supostamente idealista, amável e criativa, impecavelmente penteada e de bigode aparado, plena de autoconfiança, que povoou as fantasias de tantas crianças dos dois hemisférios. No entanto, essa vida encantadora foi em larga medida ilusória, construída e alimentada pelo próprio e pela indústria que fundou, uma vez que a sua biografia verdadeira é bastante menos transparente, claramente menos heroica e está demasiado povoada de nódoas. Não que tal facto seja novidade para quem conheça o seu trajeto para além das linhas mais essenciais da lenda, mas a evocação do Rato Mickey e do Pato Donald, de Dumbo, Bambi e Peter Pan, da Cinderella e de Mary Poppins, ou de tantos heróis aventureiros em versão «para todas as idades», continua a ofuscar um público sedento de fantasia, humor e finais felizes que vê em Disney um seu mentor.
A produção da última ópera de Philip Glass, The Perfect American, baseada no romance biográfico homónimo de Peter Stephan Jungk, vem agora ajudar-nos a rever o brilho falso da lenda. O selfmademan que durante tanto tempo serviu de emblema de uma América aprazível, terra de todas as possibilidades e de corações de ouro, foi afinal, repetidamente, um crápula, um arrivista e um delator. Vendedor nato da sua imagem, com tanta eficácia que até Andy Warhol inadvertidamente colaborou na missão, foi um sujeito ambicioso que não se inibia de se apoderar das ideias dos outros (a generalidade das «suas» personagens foi concebida por criadores que se viram forçados a permanecer na sombra), que despedia empregados menos dóceis, que combatia as greves, que tinha violentos acessos de fúria e perseguia pessoas por puro rancor. Cereja no topo do bolo – embora seja um aspeto que Glass não explora – Walt foi colaborador ativo do FBI em pleno mccarthismo. Foi um denunciante metódico de realizadores, argumentistas e atores que lhe faziam sombra e tratou de colocar sob suspeita perante o Comité para as Atividades Antiamericanas, levando muitos ao despedimento e à prisão. Alguém que foi tudo menos o príncipe encantado empapado de brilhantina pelo qual procurou repetidamente fazer-se passar.