Quase a concluir a leitura da biografia do jornalista e escritor polaco Ryszard Kapuściński (1932-2007), da autoria do também jornalista e seu antigo colaborador Artur Domosławski. Um livro que justifica um post autónomo, dados os problemas que expõe, as informações que faculta, as dúvidas que levanta sobre as duas faces, a mais conhecida e a obscura, de uma das mais importantes, e das mais eloquentes, testemunhas da evolução do mundo na segunda metade do século XX. O que hoje aqui fica é apenas um extrato de um texto escrito por Kapuściński quando, após longos anos de trabalho como correspondente da imprensa polaca na América Latina, regressou ao seu país. Na Polónia vivia-se na altura a fase de transição que mais tarde determinaria o fim do regime «socialista», e Kapuściński, velho militante comunista mas homem que conhecia muito bem outras realidades, questiona-se nele sobre a diferença entre o idealismo e a entrega dos combatentes socialistas que conhecera na América Latina, e o panorama de laxismo e ausência de convicção com as quais deparava agora no seu próprio país:
«Ali: Devido à sua crença no socialismo, os jovens idealistas acabam muitas vezes na prisão, são torturados, são forçados a organizar-se na selva, e são por via de regra ignorados por aqueles que deveriam ser até os destinatários da sua luta. Aqui: Devido à sua crença no socialismo, os jovens carreiristas são os primeiros a conseguir um andar, um carro ou um lugar numa estância de férias. Ali: grandes ideais, o ruído metálico das espingardas; aqui: dinheiro fácil, viver indolentemente a ver televisão, passar a vida em bailes. Ali: rebelião, inconformismo, adrenalina; aqui: sorrisos falsos, mostrando apenas as caras que as autoridades querem ver. Se ali é o socialismo, aqui será o socialismo também?»