Noutro post da série que sugere uma hipotética biblioteca básica da filosofia contemporânea, hoje é a vez de apresentar O Mito de Sísifo, o «ensaio sobre o absurdo» publicado por Albert Camus (1913-1960) em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial e na sua fase de colaboração ativa e regular com a Resistência francesa.
Albert Camus era existencialista? Apesar de o ter por diversas vezes negado e da desavença com Jean-Paul Sartre em 1952, um homem capaz de escrever, no primeiro romance, «Tenho a intenção de me casar, de me suicidar ou de me dedicar à Ilustração. Num gesto desesperado, talvez…», era naturalmente existencialista. Mais tarde, quando publicou O Estrangeiro, o livro foi repetidamente julgado «existencialista»… Qual o motivo? Porque Meurseault, o herói, passeia como um sonâmbulo num mundo que parece realmente não habitar. E no entanto ele age, come, bebe, fuma, faz amor e até comete um assassinato. Através deste personagem, Camus fornece a chave para o seu ensaio editado quase ao mesmo tempo, O Mito de Sísifo, que aparece como o manifesto da sua «filosofia do absurdo». Aí afirma que o absurdo se encontra em todo o lado. Evoca o personagem de Sísifo, o herói grego condenado pelos deuses a empurrar até à eternidade uma rocha para o cimo de uma montanha, de onde ela rola forçando-o a recomeçar. Sísifo incarna o tipo de ser humano dedicado a uma vida insana. Aproxima-se aí de uma das intuições de Martin Heidegger: a estranheza do sujeito em relação ao seu mundo, que designa como «desamparo», e à qual Sartre chama «abandono». Em Camus a palavra é no entanto mais forte: é «absurdo». Soren Kirkegaard e Edmund Husserl propõem soluções para o desespero: a fé para um, a procura das essências para o outro. E Camus? Está muito mais próximo de Sartre e do seu dever de liberdade. Em O Mito de Sísifo, encontram-se estas palavras: «Se o absurdo aniquila todas as minhas possibilidades de liberdade eterna, então ele força-me, contrariamente, a exaltar a minha liberdade de ação.» Num mundo sem Deus nem valores últimos, o ser humano é ainda mais livre. Camus, sem nada esperar, faz também o elogio da criação artística: «Criar, é assim dar uma forma ao seu destino.» Mais tarde dará um conteúdo ainda mais radical à sua ideia de liberdade: ela é a revolta. [Tradução e adaptação de um artigo de Nicolas Journet.]