Eis a velha cantilena da cartilha liberal mostrada pela mão de Eça, em texto escrito em Dezembro de 1871 e depois publicado n’As Farpas. Uma peça bem capaz – ressalvando o recurso casual ao exemplo do território alentejano, felizmente ultrapassado – de evocar alguns tristes tiques locais que parecem estar de volta.
E no entanto perante a emigração que faz o Estado, a imprensa, a opinião?
Interrompe-se um momento, volta-se para os colonos, fita-lhes a luneta e diz àquela plebe esfaimada:
– O quê! quereis ir embora? Oh doidos! – Tendes acolá os terrenos do Alentejo.
Ora os terrenos, os eternos terrenos do Alentejo, são simplesmente um gracejo torpe. Uns poucos de centenares de homens têm fome e diz-se-lhes, em boa prosa, com algumas vírgulas:
– Acolá tendes, amigos, os vastos terrenos do Alentejo que são, etc.
Exactamente o que se diz aos porcos:
– Acolá tendes aqueles terrenos onde a bolota, etc… comei, estimáveis bacorinhos.
Porque não sabemos que o terreno do Alentejo, como está, produza na generalidade senão bolota. Ora o governo, a imprensa e a opinião oferecem-no como está. É uma brincadeira abjecta.
Uma população de trabalhadores, pobres, operários, proletários, pede trabalho – senão emigra. E o país responde:
– Não emigreis, tendes acolá os terrenos do Alentejo – isto é, tomai vós, ó proletários, ó gente do campo, ó pés descalços, os quatro ou cinco mil contos que tendes aí no bolso roto da jaqueta, associai-vos em grandes companhias, negociai acções, comprai máquinas e instrumentos, lavrai tantas léguas quadradas, arroteai, regai, abri poços, fazei aquedutos, estabelecei lezírias, levantai grandes fundos com o vosso grande crédito, tu Manuel da Horta, tu José da Cancela, tu ferrador, tu jornaleiro – e enriquecei!
Ora o Estado, a imprensa a opinião têm razão – somente como o trabalhador não tem ali os quatro ou cinco mil contos na algibeira e não está para os ir buscar a casa porque está a chover – embarca para a Nova Orleães.